Shopping center explica o Brasil

13/06/2018 17:00 - Blog do Celio Gomes
Por Redação

As cenas em um shopping center de Salvador traduzem um Brasil que segrega os cidadãos entre quem pode e quem não pode frequentar certos ambientes. Um menino esmolambado, que vende confeito e chiclete na porta do luxuoso centro de consumo, aborda um rapaz e pede um lanche. O baiano que recebe o pedido então leva o garoto para dentro do shopping e compra almoço para os dois. Um segurança decide que isso é vetado ali. O caso ganhou imediata repercussão nacional.

 

De fato, o que se vê nas imagens gravadas por celular e espalhadas pelas redes sociais causou tremendo impacto e gerou uma verdadeira comoção. No meio da discussão entre o cara que pretende almoçar com o menino e o funcionário, aparece um gerente (ou supervisor) que acaba apagando o incêndio. No fim da confusão, a criança senta à mesa na praça de alimentação e pode comer ao lado de seu camarada inesperado. Como explicar o que se passa nesse acontecimento?

 

Primeiro, o segurança. Ao agir com intolerância, e proibir a presença do garoto naquele espaço, ele repete várias vezes uma frase reveladora: É o meu trabalho. O que isso quer dizer? Parece lógico deduzir que ele está nos informando que está cumprindo ordens. Faz parte de seu “trabalho” zelar para que o público padrão do lugar não seja perturbado por tipos inconvenientes. (Aliás, o final feliz, digamos assim, só foi possível por causa das gravações que levariam tudo à internet).   

 

Não tenho dúvida que é exatamente isso que vigora nos shoppings do país inteiro – principalmente nos que se querem destinados à “elite”. Resistem entre nós os muros invisíveis e não declarados da discriminação mais abjeta – de cor, posição social, renda etc. E o shopping é um emblema perfeito desse apartheid tacitamente normatizado. Em Maceió, existem três desses centros. Não por acaso, aquele considerado o mais “popular” está ali na Via Expressa, nas proximidades do Benedito Bentes.

 

No extremo oposto, perto da praia e dos bacanas, instalou-se o mais suntuoso dos nossos shoppings. Ao primeiro sinal de uma presença destoante, os seguranças começam uma discreta troca de informações pelo rádio de comunicação. Quando isso ocorre, o penetra desavisado passa a ter seu percurso monitorado. Repito: o padrão é nacional. A regra é um clássico: cada macaco no seu galho.

 

Nossa tradição em discriminar é tanta que isso ocorre até ao ar livre, naquele que é tido como “o espaço mais democrático do país”, que é a praia. Embora irregular, o documentário Faixa de Areia, lançado em 2007, tem o mérito de capturar, em vários depoimentos, a tolerância zero entre muitos que gostariam de selecionar seus vizinhos de bronzeado e mergulho. Imagina no shopping.

 

Muitos engraçadinhos por aí, que se acham modernos liberais, fazem piada sobre racismo e discriminação em geral, classificando tudo como “mimimi”. O que há, para essas bestas, é o critério da “meritocracia”. Pois é. Nem precisava, mas o que acaba de ocorrer no shopping da Bahia prova que deve ser isso mesmo. O Brasil continua um belo exemplo de respeito a todos. Vai vendo!

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