O mundo dá muitas voltas, camarada Coelho. Isto sim é uma pauta para seminários, mesas redondas e debates acalorados. E estou falando sério. A disputa pela guarda de uma cachorrinha foi bater no Superior Tribunal de Justiça. Eu falei guarda, e não posse. Porque hoje em dia, aos olhos da filosofia do direito, o animal de estimação deixou de ser um bem, para se transformar num ente da família.
Que muita gente trate o bicho como uma pessoa, isso é até comum. Mas agora a Justiça brasileira começa a reconhecer esse status pós-selvagem. Tudo começou em 2004, em São Paulo, quando um casal desfez o casamento. Durante a relação, marido e mulher adquiriram uma cadela – adotaram, deveria dizer. Na separação, a moça ficou com o animal. Mas nada estava resolvido.
O ex-marido, um cara sensível, até aceitou o fim da história com a garota. Mas sofreu demais com a saudade da cadelinha Kimi – esse é o nome dela. A ex-mulher, aparentemente egoísta, barrou as visitas do ex para rever a Kimi, ao menos uma vez por semana. Ele queria o mesmo tipo de acordo que ocorre para se resolver a guarda dos filhos após as separações. Com a palavra a Vara de Família.
Daqui a pouco falo do ministro do governo Collor. Antes, fui pesquisar um pouco sobre tudo isso. Cães, gatos, iguanas, jaguatiricas e outros bichos de estimação, aos olhos da lei, são tratados como coisa, objeto. Os casais decidem com quem eles ficarão, ao fim dos casamentos, como se decide sobre o carro, o violão e os discos dos Beatles. Não mais. A vida real muda as teorias.
No caso que comento, o Tribunal de Justiça de SP deu razão ao maridão. Reconheceu o direito de visitas a sua inestimável cadelinha. Para isso, os desembargadores aplicaram, por analogia, princípios previstos no Direito de Família. Assim, o cara conquistou a guarda compartilhada do animal. Mas a ex-mulher não se conformou e recorreu da decisão. Por isso, a disputa chega agora ao STJ.
Em 1989, Antônio Rogério Magri era presidente da Central Geral dos Trabalhadores, a CGT, maior rival da CUT, a Central Única dos Trabalhadores. Na eleição presidencial que levou Fernando Collor e Lula ao segundo turno, Magri declarou apoio ao ex-governador de Alagoas. Eleito presidente, Collor nomeou Magri para ministro do Trabalho e da Previdência – era pasta unificada naquela época.
No cargo, o titular do ministério se notabilizou por declarações, digamos, inusitadamente criativas. Disse, por exemplo, que o salário do trabalhador era “imexível”. Depois usou o mesmo termo para se referir à sua própria condição no cargo. Mas a declaração definitiva foi esta: “Cachorro também é ser humano”. Foi sua explicação para o fato de usar carro oficial para o transporte de sua cadela.
Ele justificou sua conduta alegando a situação delicada, de urgência mesmo. Orca, era seu nome, estava prenha, pesava 90 quilos, precisava ser conduzida à clínica para a realização do parto. Não dava para recorrer a um táxi, explicaria Magri ao recordar o assunto, anos depois. Foi nesse contexto que afirmou, como um pai zeloso: “Lá em casa é assim. Todos são tratados do mesmo jeito”.
Magri ficou no cargo até 1992, ano do impeachment. Naqueles dias da pré-história brasileira, não havia ongs em defesa de todos os seres que Deus criou. A gente era cruel. Tudo mudou, e o tempo, como se vê, deu razão ao ex-ministro. Como gestor, seu legado é duvidoso; mas, como pensador e profeta, acertou na mosca. Sim, o cachorro é, como um filho, um típico ser humano.