A Coreia do Sul e a Coreia do Norte se aproximam. Os presidentes trocaram apertos de mãos, sorrisos e demais gentilezas. Um deles, o do Sul, veste o clássico terno & gravata. O outro, do Norte, veste o que parece um uniforme militar. Eles também se diferenciam pelo corte de cabelo. No meio, as bombas e todo um arsenal de armas nucleares. Um vizinho, aqui na rua, pergunta se o antigo bairro da Coreia, em Maceió, tem algo a ver com essas terras distantes que estão agora na TV.

 

Até o começo dos anos 1980, acho que ainda se falava na Coreia maceioense. O bairro estava colado à Ponta Grossa, mais precisamente a partir de um determinado ponto da Rua Cabo Reis, quase no extremo da via, em direção ao Rei Pelé. Onde hoje existe uma UPA, ali era, digamos, o coração da Coreia. Houve um tempo em que os lugares mais identificados com a barra pesada eram, num extremo da capital, a Coreia, e no outro extremo, o Jacintinho. Ninguém falava ainda de “periferia”.      

 

Desde sempre, e como ocorre em outras partes da cidade, os bairros se misturavam: Vergel, Coreia e Ponta Grossa sempre se confundiram. Nos envelopes das cartas, você poderia escrever qualquer um dos três nomes, que a correspondência chegava sem problema. O mesmo se dava com os bairros do Prado, Trapiche e Ouricuri. Este último, assim como o nosso território coreano, também deixou de existir; foi engolido pelo Prado a partir da mesma década de 1980.   

 

Rua Bom Destino, Rua do Arame, Rua Boa Sorte, Vilas Kennedy I e II. Essas e outras vias estavam nessa mistura de bairros. Podia ser qualquer um, ficava ao gosto do morador. Com o tempo, Coreia e Ouricuri viveram o mesmo processo de marginalização – ou alguma coisa por aí. Se não estou enganado, não pegava muito bem informar que seu endereço ficava nesses lugares. Esse talvez tenha sido o fator crucial para a morte dessas localidades – aos menos a morte dos nomes.

 

Ali pelos anos 70, para um típico maloqueiro (como eu) que vivia exclusivamente nessas áreas da cidade, ao percorrer pela primeira vez a geografia dos “bairros nobres”, o maior impacto foi ver os espaços desertos. Ninguém nas calçadas; nenhum racha no meio da rua; nenhuma turma de pivetes jogando ximbra; ninguém nas esquinas jogando dama ou dominó; nenhuma casa com a porta aberta e, lá dentro, a voz de Roberto Carlos; nenhuma garota rodando bambolê. Nobreza!

 

Que cidade era aquela em que as ruas estavam mergulhadas no silêncio? Nas casas luxuosas não havia moradores? Onde estavam os bandos de garotos que, no Vergel e arredores, enchiam praças, ruas, vilas e bibocas? No bairro nobre, pensei, o povo ou é esquisito ou fica todo mundo entocado, com alguma tristeza inexplicável. Descobri que havia uma cidade dentro da cidade.

 

Mais tarde, um pouco de literatura ampliou as ideias sobre a vida nas bandas periféricas da paisagem urbana. De Baudelaire a João Antônio, lá estavam os personagens que os críticos carimbam como típicos da arquitetura marginal. Mais para cá, o cubano Pedro Juan Gutierrez ergue um monumento a esse universo de sons, cores e tipos tão próprios do lado oposto às áreas nobres.

 

No clássico A Alma Encantadora das Ruas, escreve João do Rio: Tudo se transforma, tudo varia – o amor, o ódio, o egoísmo. Os séculos passam, deslizam, levando as coisas fúteis e os acontecimentos notáveis. Só persiste e fica, legado das gerações cada vez maior, o amor da rua.

 

Parece que me desviei do assunto original. Espero que ninguém entenda isso como uma pretensa crônica. Era tudo o que não queria que você pensasse. Ia falar da geopolítica internacional...