Ciência e Violência

21/04/2018 11:46 - Fábio Guedes
Por Fábio Guedes Gomes
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O financiamento ao desenvolvimento e avanços na ciência brasileira tem sofrido fortes recuos em razão da política de contingenciamentos e cortes orçamentários, colocada em prática pelo governo federal. A estratégia de austeridade fiscal perseguida, tem jogado fora a água do banho com o bebê, pois ela sacrifica não somente o funcionamento da máquina pública e sua manutenção, mas, sobretudo, os investimentos, elemento essencial do dínamo do crescimento econômico em um sistema subdesenvolvido.

A título de ilustração, o orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações - MCTIC já alcançou picos de aproximadamente 12 bilhões de reais entre os anos 2010 e 2014, despencou para pouco mais de 3,6 bilhões em 2017.

Em relação ao PIB, o Brasil não ultrapassa a casa de 1,5% de investimento em ciência, com tendência de queda, enquanto Israel e Coréia do Sul passam dos 4%, Japão investe cerca de 3,5% do seu PIB e Alemanha 3%.

A superação da pobreza além de necessitar de políticas de distribuição de renda e correções no acesso aos bens públicos para maioria absoluta da população, que não consegue se diferenciar através dos padrões de consumo, precisa de maiores e contínuos investimentos em ciência e tecnologia para reduzir a dependência tecnocientifica do país em relação ao resto do mundo. Essa dependência joga um peso extraordinário na composição da pauta de exportação do país, nos ameaçando historicamente com crises cambiais muito fortes quando nosso comércio exterior se arrefece. A China tem nos salvado nas últimas duas décadas.

As principais fontes de financiamento à ciência estão passando por situação de extrema penúria, criando graves dificuldades para os órgãos governamentais em manterem seus compromissos, quiçá ampliar investimentos.

O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, ligado ao MCTIC e responsável pelo fomento direto aos grupos de pesquisa (mais de 35 mil) e seus respectivos projetos científicos, teve seu orçamento reduzido pela metade, praticamente, entre 2013 e 2018, passando de 2,1 bilhões para 1,4 bilhão, respectivamente. Em 2017, diante do contingenciamento de 44% (570 milhões) do orçamento previsto para o ano, o CNPq só poderia honrar seus compromissos até agosto. Em uma ação rápida do seu Presidente, Mário Neto Borges, com apoio do Ministro Kassab, a situação foi equacionada, trazendo alento para os 90 mil bolsistas e 20 mil pesquisadores que poderiam ficar à míngua no segundo semestre daquele ano.

Além dos recursos do Tesouro, o CNPq também conta com o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – FNDCT. Ele é alimentado com fontes como a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE), parcela da receita das empresas beneficiárias de incentivos fiscais, compensação financeira, direito de uso de infraestruturas e recursos naturais, licenças e autorizações, doações e operações de empréstimos, além de devoluções de recursos ao próprio FNDCT.

Não diferente, o FNDCT está praticamente todo contingenciado, ou melhor, faz parte da chamada reserva de contingenciamento, uma espécie de "jabuticaba", pois boa parte dos recursos do FNDCT provém de fontes privadas. Para se ter uma dimensão, em 2013 o Fundo arrecadou 3,8 bilhões e executou 79% de seus recursos. Em 2017, o orçamento do FDCT alcançou 2,6 bilhões e executou 34%. Essa situação levou o diretor científico-tecnológico da FINEP, agência ligada ao MCTIC, responsável pela gestão e investimentos do FNDCT em projetos estruturantes, Wanderley de Souza, afirmar objetivamente:

"Começam a faltar equipamentos modernos nos laboratórios. Não foram e não vão ser comprados nos próximos dois anos. Tudo que quebra fica sem manutenção. Com isso, o Brasil vai ficando para trás na competição com outros países. Os recursos da Finep vão ficar limitados por muito tempo a R$ 1 bilhão, o que é totalmente insuficiente para os investimentos necessários na ciência" (fonte clique aqui)

Por sua vez, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior – Capes, vinculada ao Ministério da Educação, responsável pela manutenção de 4.314 cursos de Pós-Graduação no país (2018) e concessão de bolsas de estudos em nível de mestrado, doutorado, pós-doutorado e pesquisadores visitantes ao país etc., sentiu a queda de seu orçamento de 7,4 bilhões, em 2015, para 4 bilhões esse ano. O pais possui, aproximadamente, 270 mil estudantes matriculados em cursos de mestrado e doutorado, com boa parte dependendo de auxílios na forma de bolsas para se manterem em cidades distantes do local de origem, despesas de moradia, compra de materiais etc. Todos os anos as universidades e seus pesquisadores apresentam propostas de criação de novos cursos de pós-graduação à Capes, os quais são autorizados ou não por comissões compostas por pesquisadores das respectivas áreas. Essa expansão, em 2018, já está completamente comprometida. Para efeito de ilustração, em Alagoas contamos com 60 cursos de pós-graduação, um pouco mais que a Universidade Federal Rural de Pernambuco - UFRPE que possui em torno de 55. Certamente, a ampliação de nosso Sistema Estadual de Pós-Graduação – SEPG será prejudicado diante das circunstâncias atuais.

Nesse contexto de dificuldades inerentes a uma política nacional de extrema restrição financeira nas áreas de ciência, tecnologia e inovação, a palavra de ordem é diversificar as parcerias no intuito de buscar novas fontes de recursos. Essa estratégia requer tempo, paciência e capacidade política de persuasão, pois muitas instituições e seus representantes não compreendem a importância que tem a Ciência em todas as esferas da vida, essencialmente para o desenvolvimento das atividades produtivas, aprimoramento e execução das políticas públicas etc.

Entretanto, há um problema no país da maior gravidade que exemplifica o fosso existente entre as instituições e os tomadores de decisão e a comunidade científica: a segurança pública.

Nesse campo são rarefeitos os exemplos em que a comunidade científica participa ou se envolve diretamente na compreensão dos variados problemas que aflige a segurança pública no país. Muitas perguntas têm que ser respondidas, muitos processos devem ser aprimorados, muitas tecnologias devem ser desenvolvidas, muitos planos e estratégias devem ser ainda testados, mas um problema essencial deve ser tratado de início: por que o Brasil se tornou um país tão violento (não era?), e como reduzir os índices de violência em todas as suas formas de manifestação? Essa pergunta, ao nosso ver, não vem sendo respondida satisfatoriamente e também não saberíamos como. O que se percebe é um discurso quase uníssono que vincula os elevados indicadores de violência no país ao consumo e comércio de entorpecentes e drogas. Essa seria a causa fundamental. Tornou-se um senso comum esse argumento e quase uma unanimidade nos documentos dos órgãos de segurança pública.

A violência no país ultrapassou todos os limites considerados aceitáveis pelos principais indicadores que se queira tomar como referência, sejam nacionais ou internacionais. Não me resta dúvida que se trata de um problema multidisciplinar e abarca algumas das várias subáreas das ciências se quisermos pensar, de fato, na sua interpretação, conhecimento do fenômeno e encaminhamentos de como resolvê-lo.

Os países acima mencionados, acrescentando os EUA e França, conseguem ter elevados investimentos em relação ao PIB em ciência e tecnologia porque seus interesses tocam em assuntos bastante objetivos. As questões de segurança nacional e defesa definem a agenda científica em Israel e EUA, por exemplo, bem como em boa parte dos investimentos franceses. Esses países têm seus conflitos externos que se amparam em vários projetos de desenvolvimento científico. O Brasil tem seu conflito interno e não se interessa em amparar-se em nosso estoque de conhecimento e possibilidades de desenvolvimento.  

Muito recentemente o governo federal encaminhou uma proposta de criação de um Sistema Único de Segurança Pública - SUSP, uma espécie de SUS para a área. Uma ideia ainda passível de ampla discussão sobre sua eficácia. Na intervenção federal no estado do Rio de Janeiro, o governo não mediu esforços para liberação de aportes financeiros e mobilização de recursos para sua efetivação. Certamente deve se empenhar na evolução dessa espécie de SUSP.

Em tempos de vacas “anoréxicas” para as áreas de ciência, tecnologia e inovação no país, essa seria uma oportunidade muito importante para que nossa classe política e gestores apresentassem uma estratégia que colocasse a comunidade científica a disposição de um grande projeto de redução da violência e desenvolvimento de tecnologias, necessárias e úteis para esse objetivo comum.

No âmbito do Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa – CONFAP, importante instituição que representa os estados na ordem federativa dentro do sistema nacional de ciência, tecnologia e inovação, temos defendido, desde 2015, a necessidade de um grande programa de fomento à ciência no país para darmos respostas mais precisas e encaminhamentos que não somente amplie o portfólio de financiamento à ciência, mas, essencialmente, integre a comunidade científica, direta e indiretamente, às estratégias de solução desse problema crucial para nossa sociedade: a violência.   

Em 2014, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro – FAPERJ lançou um edital chamado “Prioridade Rio”, convocando instituições de pesquisas e cientistas do estado para desenvolver trabalhos abordando temas prioritários para o governo em várias frentes. Entre os sete temas prioritários, encontrava-se “administração penitenciária e segurança pública”, com dez subtemas. Exemplos como esse devem ter sido adotados em outros estados e suas respectivas Fundações de Amparo à Ciência, mas são casos isolados.

Na área de saúde já existe um grande programa nacional de fomento a pesquisas que aprimoram suas políticas, trata-se do PPSUS, com excepcionais resultados em nível de país, desde os diagnósticos clínicos, tratamento de doenças ao desenvolvimento de processos e procedimentos médicos, administrativos e de gestão, novos fármacos, protocolos de atendimento e tratamento etc. Em Alagoas ele é executado pela FAPEAL, em parceria com a Secretaria de Estado da Saúde. Os recursos provêm do Governo Federal e das finanças públicas estaduais. Talvez esse programa estimulasse a curiosidade daqueles preocupados com os inúmeros problemas causados pela violência no país e suas causas, e que possuem capacidade de decisão política para experimentarmos algo nessa linha na área de segurança pública.

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