O casamento de Whindersson Nunes e um retrato medonho do jornalismo

01/03/2018 02:20 - Blog do Celio Gomes
Por Redação

O planeta das badalações e das frivolidades se rendeu às maravilhas do litoral norte alagoano. O sinal mais evidente desse fenômeno é que aquela parte do estado se transformou em balneário para casamentos e convescotes de subcelebridades endinheiradas. A coisa é recente, embora as praias, o sol e o vento estejam por ali há muito mais tempo. Reinava a paz até a invasão dos famosos.

 

Alguém já disse que “famoso” no Brasil é profissão. Não adianta o que o sujeito faz ou pensa; a fama é sua credencial para abrir portas e conquistar o aplauso das multidões. É esse tipo de personalidade que, de uns anos para cá, descobriu a existência de São Miguel dos Milagres. O pequeno município à beira-mar entrou de vez para a rota dos bacanas que respiram ostentação.

 

Tudo começou nas festas de virada de ano. Révellion chique tem de ser em Milagres. Aliás, é assim, já com intimidade, que a turma trata o lugar – somente pelo último termo. São Miguel dançou nessa. Com as farras de Ano Novo, vieram as festas temáticas, cheias de tendas e camarotes ao som do melhor da nossa música: sertanejo pegajoso, sofrência e arrocha.  

 

Não demorou muito e pintou a moda dos casamentos no recanto praieiro de Alagoas. Com a região ganhando citações em publicações nacionais sobre turismo, trocar alianças no balneário, ao que parece, virou o sonho de casais apaixonados – e deslumbrados até a medula. Nada mais natural, portanto, que Whindersson Nunes, o maior youtuber do país, venha se casar entre nós.

 

O casamento do humorista piauiense que nasceu na internet ocorreu nesta quarta-feira, 28. Cada um com seu modo de vida e sua visão de mundo, é claro. O que incomoda profundamente – algo que daria até um estudo de caso – é o papel de nossa imprensa. Tanto nos veículos locais quanto nos meios nacionais, o evento é tratado com uma babaquice quase inacreditável. Quase.

 

Nessas ocasiões, dublês de jornalistas não produzem reportagens. Toda a cobertura se apresenta como uma exaltação a detalhes idiotas, coisa típica do mais fútil colunismo social. Na verdade, uma festa particular, como o enlace de dois famosinhos irrelevantes, nem merece cobertura jornalística. Mas as empresas querem cliques e curtidas haja o que houver. Aí já era.

 

Embora não tenha mais o direito a surpresas com qualquer bobagem, confesso que não esperava que o caderno de cultura do maior jornal do estado, a Gazeta, tratasse o casamento do youtuber como um evento à altura da arte: o oba-oba dos ricaços e alienados foi bater na capa do caderno. A decisão editorial que pariu essa abordagem é um retrato medonho do nosso jornalismo.

 

Lembrei de Joel Silveira e de sua reportagem mais conhecida, A Milésima segunda noite da Avenida Paulista, publicada na década de 1940. É sobre o casamento de uma filha do conde Francisco Matarazzo Jr., representante da elite bilionária da época. O texto da víbora, como Joel ficou conhecido, saiu em livro pela Companhia das Letras, em 2003. É uma aula que a imprensa esqueceu.

 

Entre plumas, espumas e buquê, faltou uma víbora em Milagres.

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