Desconfiem de tudo o que escrevo

05/02/2018 04:40 - Blog do Celio Gomes
Por Redação

Jornalismo não é exatamente uma atividade praticada por santos, heróis ou altruístas. Fosse possível uma pesquisa definitiva sobre o padrão dominante em nossa profissão, suspeito que o retrato revelaria qualidades opostas à santidade, ao heroísmo e ao espírito solidário. Notícia e ética, muitas vezes, não compartilham do mesmo espaço nas páginas, telas e ondas sonoras. Não se engane com aparências. Em outras palavras, desconfie do que falamos, pensamos e escrevemos.

 

Aqui, pratico o mais puro jornalismo de opinião. Com a plena liberdade a mim dispensada pelo CADAMINUTO, faço o que mais gosto: atiro em todas as direções e sobre qualquer assunto, sem a preocupação de agradar a quem quer que seja, da autoridade ao magnata. Aliás, mirar nos poderosos é imperativo existencial. Nesta condição, não pretendo convencer ninguém sobre meus pontos de vista. Jornalista não deve escrever para conquistar fãs e ganhar curtidas.

 

Escrever com a premissa do bom-mocismo geralmente resulta em deplorável demagogia. Dizer aquilo que as plateias querem ouvir é um exercício de hipocrisia, algo tão deletério quanto a falsa notícia ou a opinião motivada por objetivos não revelados. E quanto ao estilo, esse tipo de texto é sempre uma bomba de platitudes, pródigo em receitas simplistas para problemas gravíssimos. Catequese e autoajuda são o negócio de carolas e mercadores de ilusão – o oposto de jornalismo.

 

Pensei nessas inutilidades da vida ao ler comentários que chegam ao blog. Pelas reações, parece que estou longe de virar uma referência, muito menos um guru, para quem me lê. Ainda bem. O papel de representante de algum sentimento coletivo jamais estará entre minhas prioridades. Fosse aqui celebrado como alguém que alivia os dilemas da alma alheia, ficaria bastante constrangido. Pode parecer estranho, mas é assim – também – porque trato o leitor com respeito.

 

Segundo comentaristas que acessam o portal, estou classificado nas seguintes categorias, entre outras: “reacionário”, “palhaço”, “vendido”, “petralha”, “alienado,” “cretino”, “merda” e “jornalistazinho”. É uma antologia e tanto. Com esse conjunto de qualidades no currículo, estou perdido. Os mais revoltados não se contentam com os elogios; ameaçam boicote ao site e pedem a cabeça do blogueiro. Vejo tudo isso com a mais tranquila naturalidade. Incomodar é necessário.

 

A imprensa apanha hoje mais do que nunca. Para os desavisados, jamais houve um jornalismo tão manipulador e mentiroso. Nada mais ilusório. Leiam obras como Cobras Criadas (a história da revista O Cruzeiro e do jornalista David Nasser) ou Minha Razão de Viver (as memórias de Samuel Wainer); ou ainda Insultos Impressos, de Isabel Lustosa (sobre jornalistas no fim do século 19). O que se conta nesses livros deixa as armações atuais parecendo estripulias em parques de diversão.

 

A crença de que o presente é sempre mais degenerado, e que o passado é a dimensão de uma inocência perdida, é uma sedução permanente, que atravessa os tempos. Nunca foi assim, e isso vale para tudo. Mas essa é outra divagação. Quanto ao jornalismo, desconfiar sempre, sim, mas fiquemos longe daquela máxima própria do autoritarismo: fuzilar o portador dos fatos e opiniões que me desagradam não mudará a realidade. E, cá entre nós, agir assim não é nada inteligente.

 

Dito isto, como a minha cabeça ainda está aqui, e as patas também, até a próxima.

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