Quando direita e esquerda se unem – e por que isso é uma bobagem

22/12/2017 01:50 - Blog do Celio Gomes
Por Redação

Pode até parecer meio estranho, mas, em grande medida de nossa existência, não importa nada a ideologia que você abraçou para viver. Porque existem opiniões, preferências e escolhas capazes de unir todas as tendências. Ou quase todas. A unanimidade talvez seja mais comum do que se pensa. Mas não digo tudo isso para defender teses rebuscadas e misteriosas. Falo do intercâmbio – vertiginoso e alucinado – de manifestações rotineiras sobre o tudo e o nada. Abaixo, exemplos de como a direita e a esquerda andam juntinhas, seja contra ou a favor, quando certos assuntos estão em pauta. Por ódio, por amor ou por conveniência, esquerda e direita estão de rolo. Vamos ver.

 

O primeiro exemplo de casamento perfeito entre tolerantes, intolerantes e delirantes é Gilmar Mendes. Talvez ninguém seja tão alvo de porradas e piadas do que ele. Pega bem mirar o “repugnante” ministro do STF. Gilmar apanha de um lado, de outro e do meio. Detoná-lo é uma espécie de atestado de postura ética. Não importam suas decisões. Está decretado pelo bom-gosto intelectual que o homem é um pária sem chance de recuperação. Eu lamento um pouco esse quadro, por uma razão específica: ainda que ele acerte, o medo da histeria coletiva abafa o necessário reconhecimento do acerto. Há um componente de covardia na parada.

 

Cabeça a cabeça com Gilmar, claro, está Michel Temer. Todos os bons pensadores do país – da esquerda e da direita – condenam seu governo de ladrões e incompetentes. O presidente mais impopular da história tem o desprezo também do mundo cultural, cujo arco vai de Chico Buarque a Fausto Silva (o Faustão), passando por Gregório Duvivier e Fernanda Lima. Assim como o ministro do STF, Temer é um tipo de vírus letal contra a boa imagem dos indignados, de um extremo ao outro da guerra política. É mais um casamento perfeito entre os revoltadinhos de todas as cores.

 

Agora um caso muito curioso. Antes guru de uma suposta direita esclarecida, o jornalista Reinaldo Azevedo caiu em desgraça por alguns textos em que defende pontos de vista teoricamente simpáticos à esquerda e, especificamente, ao PT. Com isso, antipetistas fanáticos se juntaram aos petistas de carteirinha no ódio mortal ao jornalista. O autor de O País dos Petralhas é visto agora, por seus antigos fãs, como um corrompido pelas ideias comunistas que ameaçam nosso amanhã. Aqui, um processo realmente grave de profunda metamorfose no que antes se manifestava como a mais pura convicção. Falo naturalmente do ataque a Reinaldo. De seu lugar, ele continua o mesmo.

 

Os dois lados gostam de ressaltar suas diferenças no mundo da cultura e da arte. Mas não podem negar o vasto campo de harmonia entre direitistas e esquerdistas, a depender da obra ou do artista em debate. Um exemplo pra lá de eloquente de como os extremos se abraçam na mesma opinião é Pablo Vittar. A moda das últimas semanas é destruir a cantora. O esporte favorito de todos os sabidos quando se fala em arte é explicar em detalhes, de A até Z, o fiasco da voz da menina que canta Todo Dia. E o discurso tem sempre aquele cacoete de superioridade, sabe como é? Variáveis de caráter, como boçalidade, não têm mesmo ideologia; ou, de outro jeito mas com o mesmo resultado, ideologicamente, um boçal pode estar de qualquer lado, da ponta direita à ponta esquerda.

 

Há muito mais sobre essa relação de zelo e desprezo entre gloriosos atores e princípios do pensamento político, digamos assim. O que sei é que o mais difícil é tentar pensar sem pagar tributo a esta ou aquela corrente de ideias. Quanto a chegar ao ponto de romper amizades por causa de tranqueiras como PT e PSDB, não é comigo. Nem consigo entender como isso é possível. Jamais tive, e nunca terei, esse engajamento em níveis escandalosos por nenhuma causa. O que é fatal, o que realmente interessa na vida, está em outra dimensão. Só não sei o que é. Você acha que sabe?

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