Uma jornalista da Globo com medo de fazer turismo em Alagoas

21/12/2017 11:45 - Blog do Celio Gomes
Por Redação

Não tenho certeza se foi em 1996 ou no ano seguinte. Do episódio, porém, lembro bem. A respeitada Alice Maria, mandachuva no jornalismo da Rede Globo naqueles tempos, fez uma consulta inusitada a Márcio Canuto, então diretor de jornalismo da TV Gazeta. Ele me relatou a história um tanto surpreso. Eu era o chefe de redação no departamento. A consulta era sobre uma viagem a Alagoas.

 

Um parente da jornalista estava escolhendo um roteiro de passeio pelo Nordeste. Pensou em conhecer Maceió. Ao saber das intenções, Alice ficou preocupada com a segurança da pessoa de sua família. E qual era o motivo dessa preocupação? Sim, eram as notícias sobre a onda de violência que assolava o estado. Márcio Canuto ouviu então a pergunta: “É seguro visitar Maceió?”.

 

O dilema do turista daquela ocasião – visitar ou não visitar a capital alagoana – estava longe de ser uma postura isolada. A imprensa nacional não passava um dia sem falar do que ocorria por aqui. Em pleno fim do século 20, nossa fama de terra violenta estava no topo como poucas vezes ocorrera. Lá fora, associada a Alagoas, a palavra que mais se ouvia era “pistolagem”.  

 

A má fama não surgira do nada. Ali, entre 96 e 97, para ficarmos nos casos de maior repercussão, estávamos nas manchetes com três pautas medonhas: o assassinato de PC Farias, o assassinato de Silvio Vianna (da Secretaria da Fazenda) e a explosão da chamada gang fardada, chefiada pelo temido tenente-coronel Manoel Cavalcante. Tudo isso no meio de uma crise política tenebrosa.

 

Foram muitas as notícias de cancelamentos de viagens para Alagoas devido ao clima generalizado de lugar perigoso. Como tudo tem uma vertente de comédia, houve até uma ideia idiota de se organizar uma passeata de protesto contra a cobertura da imprensa “forasteira”. Sabe aquela história de punir o mensageiro pela mensagem ruim? Era exatamente isso. Deu em nada.

 

Desde aqueles fatos, em duas décadas o estado alcançou a liderança na taxa nacional de homicídios. A diferença em relação aos anos 90 é a presença do componente político em vários crimes do passado, como nos três casos que citei acima. Eis que agora, de repente, um pouco daquela abordagem apareceu em algumas reportagens de grandes veículos sobre os atentados em Batalha.

 

Como se sabe, num intervalo de um mês dois vereadores foram assassinados no município sertanejo. Dito assim, parece mesmo que voltamos aos tempos da pistolagem e dos jagunços agindo livremente numa terra sem lei. O governo estadual garante que não. A polícia ocupou Batalha e promete que as investigações logo vão elucidar os crimes. Até agora, nada se esclareceu.

 

Violência política e crimes de mando estão no DNA alagoano, não se pode negar. É História. Que as autoridades atuem com rigor – dentro da lei – para evitar um retrocesso que seria absolutamente trágico. A imagem nacional do estado, seja ela qual for, não é culpa da imprensa. Jornalismo camarada e jogadas de marketing nunca mudarão nada. No máximo, operam ridículas maquiagens.

 

(Sobre a desconcertante consulta da jornalista da Globo, vinte anos atrás, Márcio Canuto respondeu que achava tudo exagerado e, sim, o turista iminente poderia vir conhecer nossas praias numa boa. Eu concordei com o diagnóstico, mas não lembro se a pessoa se convenceu). 

 

Pós-escrito, horas depois: Relendo o texto, fiquei com uma incômoda desconfiança. Talvez o leitor veja uma imprecisão, ou até mesmo um equívoco de ordem gramatical na penúltima linha. Lá está escrito o turista iminente poderia vir conhecer... A desconfiança: o leitor pode pensar que eu quis dizer turista eminente, no sentido de “relevante”. Esclareço que não. Usei o termo para falar do “quase” turista. (Na verdade, não sei se isso tem alguma importância. Mas achei melhor registrar).

 

Comentários

Os comentários são de inteira responsabilidade dos autores, não representando em qualquer instância a opinião do Cada Minuto ou de seus colaboradores. Para maiores informações, leia nossa política de privacidade.

Carregando..