Deus é de direita – e está na moda

19/12/2017 15:29 - Blog do Celio Gomes
Por Redação

Do falatório debiloide e da troca de impropérios entre supostos intelectuais ou dublês de analistas políticos, nem o Altíssimo escapou. Se você reparar bem, defender a crença em Deus virou, para muitos, mais um atalho para proselitismo e exposição de vaidades que nada têm a ver com religião. Não tenho dúvida, estamos diante de uma novidade dos tempos atuais. Acho tudo meio engraçado.

 

Tenho a impressão de que a fixação no Pai de Jesus dá tanto ibope nas redes sociais quanto a troca de nudes entre os internautas. Descobri, por exemplo, que há uma legião de indignados com o Porta dos Fundos e com o Zorra (da Globo) por fazerem piadas com toda a família sagrada, incluindo Nosso Senhor, Nossa Senhora, apóstolos e profetas. Os ofendidos pregam boicote a esses programas.      

 

O lado mais previsível no fanatismo coroinha é a hipocrisia. Pelo nível de argumentação de alguns textos que vi por aí, resta evidente que estamos diante de figuras adeptas de um velho jogo duplo: rezam sob os holofotes e pecam a valer nas quebradas protegidas pelas sombras. Evidente também é a fragilidade argumentativa dos que se querem crentes até dormindo.

 

Como se sabe, atribui-se ao marxismo a ideia de que a religião seria o ópio do povo. A tese anda em baixa faz muito tempo, mas até que explica, em parte, a guerra santa deflagrada hoje em dia entre direita e esquerda. Sim, porque tudo acaba nesse duelo ideológico – que sempre existiu, mas ganhou cores renovadas, ou seja, em variados tons de rabugice, ignorância e bobagens infinitas.

 

Nessa rasa disputa de ideias, diante de tantas manifestações equivocadas, todos os dias e nos mais variados ambientes, não há como negar outra evidência: os seguidores dos mandamentos católicos fazem suas orações ajoelhados à direita do Divino. Nada de errado com isso. Cada um com sua escolha. Problema é a politização dos radicais no exercício de suas crenças. Ou crendices.

 

Outro dado particular na exaltação e defesa de Deus é uma tentativa de justificar a fé com retórica pretensamente erudita. Tentativa tosca e fracassada. E tome citações de meio mundo de autores, lidos de orelhada ou via Google. Pensadores cristãos nunca foram tão assediados moralmente quanto se vê agora por esses festivos ativistas do Rei dos reis.

 

A bíblia cristã é uma leitura fascinante. Sua importância histórica e literária está acima de controvérsias. Para além das versões convencionais, que se encontram aos montes, vários de seus livros ganharam no Brasil traduções feitas por ensaístas e poetas. Cito dois exemplos magistrais: o Eclesiastes, segundo o grande Haroldo de Campos, e O Livro de Jó, vertido ao português por José Elói Ottoni.

 

Mas a tropa dos homens de fé, que anda por aí caçando hereges até dentro de museus, não entende nada sobre quase tudo, menos ainda sobre literatura. A obsessão dos pregadores é espalhar suas rezas e combater o perigo do avanço da esquerda – o que significa combater o capeta. Porque se Deus é de direita, o coisa ruim só pode ser um esquerdista dos infernos. Ave Maria!

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