A morte anunciada da imprensa

28/10/2017 09:57 - Blog do Celio Gomes
Por Redação

Todos os dias alguém decreta a morte da “velha imprensa”. A expressão entre aspas que acabo de usar aparece em debates, mesas redondas, entrevistas e textos de cronistas de variadas cores e tendências. A profecia de morte anunciada, é claro, começou com o surgimento da internet – primeiro com a força dos blogs e, logo em seguida, com a explosão das redes sociais.

 

A vastidão do tema é inquietante. Estamos falando de informação numa era de novidades que o homem jamais imaginou – nem nos filmes e na literatura de ficção científica. Não bastasse a complexidade intrínseca ao assunto, o fator político (ou ideológico) torna uma avaliação sobre o cenário atual praticamente uma guerra de versões. E a velha imprensa virou saco de pancada.

 

Com o turbilhão de contatos e trocas virtuais, instalou-se uma confusão entre conceitos. Coisas distintas são tratadas como se fossem idênticas. Informações isoladas, opinião, militância, engajamento, protesto – isso tudo tem relevância e pode influenciar, hoje em dia, até os rumos de políticas oficiais. Mas jornalismo profissional é outro departamento.

 

No império das falsificações e da pós-verdade, tenta-se subestimar o impacto de uma capa de revista, de uma manchete de jornal ou de uma reportagem na TV. Afinal, quem vai prestar atenção nesse modo obsoleto de noticiar alguma coisa, se tudo está na rede, à disposição de todos, as 24 horas do dia? Eis um raciocínio que reproduz a confusão citada acima.

 

Embora o clima geral seja de irritação com a chamada grande imprensa, se você pensar em qualquer caso de forte repercussão, no Brasil ou no mundo, vai constatar que as revelações mais extraordinárias – os furos de reportagem – vieram dos veículos tradicionais. E isso ocorre porque, entre outras coisas, nesses veículos pratica-se o jornalismo profissional. Como sempre foi.

 

Um fenômeno antigo – que continua firme no universo da informação – parece inexplicável para muita gente, mas tem toda lógica: diante de grandes escândalos ou de tragédias que mobilizam a população em escala incomum, cresce a circulação de jornais e aumenta a audiência dos telejornais. O que explica isso nos dias de hoje? As pessoas buscam a informação confiável.

 

Também na internet é o profissionalismo que garante o jornalismo sério – forte e independente como tem de ser. Produzir notícia tem um custo e requer gente do ramo, treinada e atenta a princípios éticos fundamentais no exercício da profissão. Voluntarismo, falta de rigor e negligência a regras não podem gerar resultado no mesmo nível que se tem na imprensa.

 

Um aspecto para mim bem esquisito é ver jornalistas como que torcendo pela morte da imprensa. Há um discurso generalizado que tenta negar a relevância de uma instituição vital para a vida democrática – seja em que regime de governo for, à direita ou à esquerda. Geralmente é um tipo de postura raivosa, que prega quase que o extermínio de veículos de comunicação.

 

Claro que as disputas políticas contaminam todo esse debate. Quanto a isso, nem adianta argumentar. Mas falo de algo que está além das paixões particulares. O fato de ser jornalista – uma contingência da qual não posso me separar – certamente influencia meu modo de ver o assunto. Seja como for, negar a força da imprensa é loucura.

 

Há bom jornalismo no mundo virtual, sem dúvida, como continua a existir jornalismo de qualidade no papel. Como um dinossauro de passos erráticos, mantenho uma pata em cada suporte: clico em sites, blogs e páginas da internet e, ao mesmo tempo, ainda vou às bancas no centro de Maceió em busca de jornais e revistas. Comigo, aliás, foi assim que tudo começou. Há muito tempo.

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