A revolução russa, ontem e hoje

23/10/2017 03:05 - Blog do Celio Gomes
Por Redação

Pegando carona no centenário da revolução russa, editoras lançam um pacote de títulos, com variadas interpretações e diferentes enfoques sobre o movimento que mudou o mundo depois de 1917. É história que não acaba mais. E não poderia ser diferente. Para além de nossas opiniões sobre comunismo, marxismo e ideologias em geral, os acontecimentos de cem anos atrás ainda repercutem nos dias de hoje.

 

Desde os primeiros tempos da revolução, a literatura produziu incontáveis ensaios, biografias e romances para entender o impacto das transformações inéditas que varreram o planeta.  Nenhum outro levante político capturou tantos escritores e intelectuais para uma causa. Afinal, aqueles eventos cruciais seriam a materialização de uma fascinante ideia: inaugurava-se a utopia.

 

O triunfo dos ideais comunistas, que em última instância se traduziria no governo do proletariado, pareceu uma perspectiva arrebatadora aos olhos de artistas e pensadores, dentro e fora do território russo. Mestres incontestáveis da arte literária no século 20 dedicaram talento, atenção e engajamento em defesa do regime que enterrou a tradição da era czarista.

 

Impossível anotar uma lista completa de escritores que apoiaram ostensivamente os rumos políticos da Rússia marxista. Ernest Hemingway, Jean-Paul Sartre, Pablo Neruda e Graciliano Ramos são apenas quatro exemplos de autores que defenderam o novo regime como modelo de sociedade. Naturalmente cada um firmou posição com estilo particular e níveis variados de adesão.  

   

Dos nomes citados acima, Sartre talvez tenha sido o aliado mais fanático – e festivo – das ideias russas. Nosso Graciliano, bem a seu modo, foi um convertido de olhos abertos e senso crítico diante do que considerava equívocos nos desdobramentos do regime. Prova disso é seu extraordinário Viagem, livro que escreveu após um périplo pelos países comunistas em 1952.

 

Falei, no começo, do lançamento de obras neste ano do centenário da revolução. Mas um título grandioso sobre tudo isso que escrevo saiu no Brasil em 2016. No cardápio à disposição dos leitores, não há nada – nada mesmo – parecido com o livro O Fim do Homem Soviético, da escritora Svetlana Aleksiévitch, prêmio Nobel de Literatura em 2015.

 

As páginas da autora apresentam um painel desconcertante da Rússia de ontem e de hoje, a partir das memórias de diferentes gerações. Vai em busca não de heróis, mas de “um ser humano”, pois “é lá que tudo acontece”. Svetlana põe a velha literatura de não-ficção em novo patamar, colhendo entrevistas que nos trazem um monumental conjunto de personagens e relatos surpreendentes.  

 

Ouvimos histórias dramáticas, desesperadoras, na voz direta de homens, mulheres, jovens e velhos. Entre uma e outra fala, conhecemos seres que, diante da história de seu próprio país, se mostram contraditórios, revoltados, entediados, niilistas ou simplesmente resignados. Há quem despreze o legado leninista, há os que celebram os feitos do sanguinário Stalin. 

 

O Fim do Homem Soviético espana para longe a poeira de mistificações, rótulos e ideias feitas, para nos apresentar um verdadeiro mundo novo, a Rússia de agora, ainda tão visceralmente traumatizada por um fenômeno que explodiu há um século. “O comunismo tinha um plano insano: refazer o velho homem, o antigo Adão”, escreve a autora em sua obra.

 

A extinção do homo sovieticus – a expressão é da escritora – começou a partir do governo Gorbatchóv, mas seu fantasma parece assombrar a vida russa por todos os lados. Svetlana Aleksiévitch nasceu na Ucrânia, em 1948. A refinada qualidade de sua produção honra as tradições da literatura essencial que nos chegou daquele lado do mundo. 

Comentários

Os comentários são de inteira responsabilidade dos autores, não representando em qualquer instância a opinião do Cada Minuto ou de seus colaboradores. Para maiores informações, leia nossa política de privacidade.

Carregando..