Guerra política vê palavra como inimiga

21/10/2017 12:04 - Blog do Celio Gomes
Por Redação

Não importa o número de imagens, vivemos num mundo de palavras. Eu poderia citar várias situações do cotidiano, e especular sobre essas situações, para defender a afirmação que abre o texto que escrevo agora, no meio de uma madrugada. Mas a motivação para o assunto nada tem de esotérica. Vamos falar do que está – e sempre esteve – na ordem do dia.

 

Na bizarrice da discórdia política brasileira, como em tudo na vida, a palavra é quase sempre fatal. Por isso, seja qual for a encrenca, fala-se tanto em “guerra de versões”, “narrativas contraditórias” e “verdades relativas”. Nunca recebemos tantos alertas sobre o perigo de fake news. Tão importante quanto o evento será a forma de descrevê-lo para alguém logo adiante.

     

A linguagem está no centro dos embates nacionais. Não sei se vocês perceberam, mas é comum encontrar na imprensa textos que estraçalham pessoas que costumam falar, por exemplo, em estado de direito, respeito à democracia, presunção de inocência e direito à plena defesa. Se você sacar uma dessas expressões em nome de seus argumentos, periga ser espancado. 

 

Segundo os críticos mais ferozes, ou seja, quase todos, quem usa esse palavreado só pode ser um cretino golpista, que agora cita a Constituição – outro pecado mortal – para proteger seus bandidos favoritos de estimação. Para esses revoltados em tempo integral, quem diz que o Brasil é uma democracia deve ser um idiota – ou, nos piores casos, um execrável fascista.

 

Não deixa de ser curioso, e um tanto inesperado, que na guerrilha geral, do xingamento a cusparadas, guerrilheiros apontem armas para o significado das palavras, de uma frase. Igualmente estranho é que os alvos sejam princípios e conceitos consagrados, ao longo da História, em todos os lugares onde trinfou não a utopia, mas uma ideia de civilização. Negar isso é uma postura amalucada.

 

O problema é que não estamos dispostos a pensar sob certos parâmetros gerais. Aliado a isso, nossa tradição nunca foi de zelo com o cumprimento de regras e o respeito à lei. Com rapidez fulminante, chutamos qualquer mandamento sagrado como se fosse um mero formalismo – ainda que seja uma garantia aos direitos de todos.

 

A julgar pelo ambiente tomado de fúria, a lista de termos e palavras na mira de tiro tende a crescer sem limite. É uma frente de embates cada vez mais ocupada desde a conexão de todos com todo mundo. Além do mais, nunca haverá escassez desse especial tipo de munição. Basta pular da cama de manhã, e o gatilho já está armado.

 

Para completar o drama, só falta os filiados à estratégia Black Bloc voltarem a atacar. Poderemos vê-los quebrando ao meio um substantivo, um verbo ou um predicado. Já imagino frases e orações inteiras despedaçadas a golpes de pernadas voadoras. Afinal, para conversa reacionária, o único remédio é a porrada.

Comentários

Os comentários são de inteira responsabilidade dos autores, não representando em qualquer instância a opinião do Cada Minuto ou de seus colaboradores. Para maiores informações, leia nossa política de privacidade.

Carregando..