Drama e exagero na crise de prefeituras

08/10/2017 01:31 - Blog do Celio Gomes
Por Redação

Vocês certamente viram, no noticiário dos últimos dias, que as prefeituras alagoanas decretaram a crise do fim do mundo em suas finanças. Para tentar soluções, diante de um cenário pintado em cores dramáticas, houve até uma reunião de emergência na sexta-feira (06/10). Mas, além da gritaria geral, do encontro não se soube de nenhuma medida capaz de amenizar o caos.

 

Não quero aqui subestimar a dimensão do buraco nas contas municipais, mas alguns aspectos no conjunto de informações sobre o caso provocam certa estranheza. O primeiro ponto é a recorrência desse tipo de manifestação. Deve ser a quadragésima oitava vez nos últimos tempos que prefeitos se esforçam em bloco para pedir socorro pela quebradeira generalizada.

 

Pense em quantas vezes você já ouviu falar em mais uma Marcha até Brasília – ocasiões em que gestores de todo o país invadem a capital federal para pressionar por mais recursos. Não precisa pensar muito. Tem todo ano. Em cada romaria, o governo federal dá um jeitinho de contemplar os cofres das cidades com repasses, facilidades tributárias e anistia para débitos. E a coisa só piora.

 

Outra variável preocupante é o histórico de muitos prefeitos quando o assunto é probidade e respeito ao patrimônio público. Lamentavelmente, a fotografia, nesse delicado quesito, não é das mais elegantes. A relação de nomes com várias acusações de desvios, e muitos até condenados, é bastante considerável. Tomara que isso não seja fator determinante no baque atual.

 

Agora vou falar de outro aspecto que me parece particularmente crucial na crise das prefeituras. Você pode achar que é irrelevante, mas eu garanto que não é. Vou especular sobre o discurso dos prefeitos, em especial sobre uma única palavra. Porque a escolha das palavras para dizer o que pensamos revela surpresas inimagináveis e esconde mistérios invioláveis. Tentarei ser objetivo.

 

Na reunião mencionada, quem falou em nome dos gestores foi o presidente da Associação dos Municípios Alagoanos, Hugo Wanderley, prefeito de Cacimbinhas. Depois de expor os dados que explicariam o tamanho do problema, resolveu que precisava ser bem convincente. E o que disse ele, além do que sempre dizem políticos em ocasiões semelhantes quando querem dramatizar?

 

Para que ninguém tenha dúvidas quanto à necessidade urgentíssima de salvar as prefeituras, Hugo Wanderley profetizou nada menos que a iminência do “holocausto” nas cidades do interior de Alagoas. É inédito. Jamais soube de apelo retórico que tenha chegado nem perto disso. Suspeito que o empenho desmedido na busca de ajuda imediata traiu o homem público.

 

Para um obcecado pelas palavras, esse holocausto como que faz toda a crise das prefeituras evaporar. É desproporcional. É incabível. É racionalmente inaplicável como quer o prefeito. Não importam as alegações, estamos diante de um deslocamento de sentido inaceitável. O descomunal exagero produz efeito contrário ao que se pretendia na origem de todo o drama.

 

Hugo Wanderley é de família abastada. Pelo que sei, tem formação sólida o suficiente para conhecer a história, o significado e o alcance do holocausto. Sendo assim, sua escolha de vocabulário para justificar o que pretende obter fica ainda mais errada. Crise? Certamente sim. Mas nada que se afaste dos velhos padrões da política. Encenar terra arrasada também é um método.

Comentários

Os comentários são de inteira responsabilidade dos autores, não representando em qualquer instância a opinião do Cada Minuto ou de seus colaboradores. Para maiores informações, leia nossa política de privacidade.

Carregando..