Quando a TV Globo decidiu que Alagoas teria horário de verão

22/09/2017 15:37 - Blog do Celio Gomes
Por Redação

O que determina uma decisão de governo? No campo das formalidades e das obrigações legais, são os interesses coletivos de uma sociedade. Essa é a resposta mais óbvia e previsível que se pode encontrar. Nunca sabemos, no entanto, o quanto podem pesar demandas de outra ordem por trás de um simples decreto. Vou dar um exemplo de como uma iniciativa oficial pode ter motivação bem particular.

 

O Brasil pode abandonar o horário de verão. A decisão teria como causa a irrisória economia no consumo de energia elétrica registrada nos últimos anos. Segundo informações divulgadas pela imprensa, não há consenso entre as autoridades do setor quanto ao cancelamento da medida. O horário especial vem sendo adotado no país de maneira ininterrupta há quase três décadas. Mas a estreia foi bem lá atrás, em 1931.

 

A regra se modificou ao longo do tempo. Inicialmente adotado em grande parte do país, o fuso especial vigora hoje em dez estados e no Distrito Federal. Sul, Sudeste e Centro-Oeste são as três regiões em que os relógios são adiantados em uma hora. Se não for cancelado, o horário de verão começa em outubro e vai até fevereiro do próximo ano.

 

Nos primeiros anos da década de 90, a Bahia era o único estado nordestino no horário de verão. Mas em 1995 um decreto da Presidência da República incluiu mais dois estados no pacote: Alagoas e Sergipe. Essa decisão não era decorrência de possível economia de recursos públicos. No caso de Alagoas, o decreto foi resultado de um acordo entre o governo estadual e a TV Gazeta.

 

Naquele tempo, os estados que originalmente ficavam de fora do horário de verão poderiam adotar a medida, bastando para isso formalizar um pedido à Presidência da República. Foi o que fez o então governador Divaldo Suruagy, alegando que, excluído do horário especial, o estado viveria transtornos com um fuso diferente de Brasília.

 

A verdadeira razão, no entanto, foi uma pressão da TV Globo sobre suas afiliadas para que convencessem governadores a agir pela adoção da medida. Motivo da pressão: a diferença dos relógios atrapalhava a programação da rede. Entrosado com a direção da Organização Arnon de Mello, Suruagy concordou em ajudar o poderoso veículo de comunicação.

 

E assim foi feito. Como editor de telejornais da TV Gazeta na época, lembro da satisfação da diretoria e funcionários com a decisão do governador. Um alívio para todos da casa. Para atender exclusivamente ao desejo da Globo, a população alagoana adiantou os ponteiros do relógio e viveu sob o horário de verão, de outubro de 1995 a fevereiro de 1996.

 

O episódio combina plenamente com as tradições que marcam a relação da TV Globo com o poder. Como está comprovado, por muitos anos o ministro das comunicações era escolha direta dos donos da emissora. As ordens do doutor Roberto Marinho a presidentes, em diferentes épocas, formam um capítulo singular da vida pública brasileira.

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