A corrupção que veste farda

22/09/2017 01:39 - Blog do Celio Gomes
Por Redação

As declarações de um general que defendeu uma eventual intervenção militar no país fizeram um barulho inédito, desde que esse tipo de manifestação reapareceu nos últimos anos. Como se sabe, o general falou suas baboseiras durante uma palestra em Brasília, na última sexta-feira 15. Já tratei do episódio aqui. Volto ao tema para novos chutes e palpites.

 

No texto anterior sobre o assunto falei de uma falsa ideia, repetida por aqueles que estupidamente elogiam a ditadura militar que infernizou o Brasil durante duas décadas. Segundo o argumento falacioso, nos tempos do regime autoritário não havia corrupção, ou quase nada, porque nos quartéis a honestidade é regra absoluta. Vamos pensar um pouco mais sobre essa ilusão.

 

É claro que isso não se sustenta em pé. Tanto na época da ditadura como nos anos seguintes não foram poucos os casos de desvio de verba sob as ordens fardadas. A imprensa tem natural dificuldade para apurar esses casos justamente porque a falta de transparência é lei inviolável nas Forças Armadas. O mesmo vale para as polícias militares Brasil afora.

 

A coleção de delitos honra as piores tradições. Fraude na aquisição de combustível; licitações viciadas para compra de armamento; superfaturamento em contratos com fornecedores; uso ilegal de veículos oficiais para benefício pessoal; desvio de função de integrantes das tropas para servir a políticos e comandantes – tudo isso pode estar acontecendo agora, sob a capa fantasista da austeridade.

 

Existe ainda uma anomalia bastante comum nas forças militares, federais e estaduais, vez por outra denunciada, mas nunca resolvida. Trata-se de senhores de alta patente com uma atuação paralela – e secreta – no mercado da segurança privada. Uma investigação pra valer revelaria quantas empresas têm militares em suas folhas de pagamento ou até mesmo como sócios ocultos.

 

Mas vamos a um exemplo atualíssimo de como as corporações fardadas atuam com lisura na gestão pública. Vejam o que acaba de ser noticiado sobre o Corpo de Bombeiros Militar do Rio de Janeiro. Nada menos que 30 oficiais e coronéis foram presos acusados de um gigantesco esquema de venda de alvarás para liberar qualquer coisa. Era bem rigoroso: pagou, levou.

 

Notícia ainda mais recente saiu na versão brasileira do El País. Segundo a reportagem, um tenente-coronel da PM de São Paulo, preso desde março, negocia uma colaboração premiada para revelar uma tramoia de roubalheira na corporação. 18 coronéis estariam envolvidos numa jogada que pode ter desviado mais de 200 milhões de reais, entre os anos de 2005 e 2012.

 

No escândalo fardado carioca não falta nada que você não tenha visto nos clássicos de corrupção no país. A propina é a engrenagem do negócio, com direito a conversas gravadas, ostentação e malas de dinheiro. Portanto, para quem acredita que os quartéis têm alguma coisa a nos ensinar sobre honestidade, um pouco de memória pode clarear as coisas.

 

Mas não é por tudo isso que devemos rechaçar uma intervenção militar. A corrupção deve ser combatida e punida, em qualquer esfera. O ponto essencial é outro. Devemos repudiar acenos a regimes de força porque isso é uma violação aos direitos humanos e às liberdades individuais, valores sagrados na democracia.

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