A reportagem de Marcelo Rezende que a Globo prefere esquecer

21/09/2017 03:02 - Blog do Celio Gomes
Por Redação

A trajetória de Marcelo Rezende no jornalismo percorreu mais de quatro décadas, em diferentes veículos de comunicação. Mas foi na TV Globo que ele se tornou um nome nacionalmente conhecido, a partir do fim dos anos 80. Os pontos altos da carreira do repórter foram lembrados em várias reportagens, depois de sua morte, no último sábado 16.

 

Na emissora carioca, o Jornal Nacional destacou o trabalho em que Rezende denunciou a ação criminosa da Polícia Militar de São Paulo, no caso que ficou conhecido como Favela Naval. O lugar fica no município de Diadema. PMs foram flagrados torturando e matando moradores da região. O ano era 1997. A denúncia teve repercussão internacional.

 

Mas outra reportagem do jornalista, exibida no Fantástico em novembro de 1998, entrou para a história da Globo e da imprensa brasileira. E não foi por bons motivos. Rezende fez uma entrevista exclusiva com o motoboy Francisco de Assis Pereira, o homem que ficara conhecido como o Maníaco do Parque. Era acusado de matar pelo menos onze mulheres na capital paulista.

 

A matéria especial pretendia inaugurar uma vertente mais arrojada de jornalismo para TV. Foi o que a Rede Globo avisou a suas afiliadas, que deveriam ficar atentas ao novo formato. Sei disso porque eu era o diretor de jornalismo da TV Gazeta. O resultado foi um desastre absoluto, com duração de incríveis 40 minutos naquela edição do Fantástico, o “show da vida”. A Globo entrou em crise.

 

Para começar, a produção tinha no comando o departamento de dramaturgia, e não a Central de Jornalismo. Um consagrado diretor de novelas, Roberto Talma, assinava a obra jornalística. A edição abusou de trilha sonora de suspense e efeitos especiais à altura do pior sensacionalismo. Para decifrar a mente do assassino, as fontes ouvidas foram um astrólogo e duas videntes.

 

Difícil saber o que era mais bizarro naquilo tudo. Houve simulação dos ataques às mulheres, que mais pareciam cenas de filme de terror de última categoria. Cuidadosamente planejada, a iluminação sobre o rosto do maníaco tentava elevar o clima de tensão e medo. Rezende se empenhou na missão. Cada frase de seu texto tinha como objetivo principal dramatizar ao máximo aquele enredo.

 

As perguntas e a condução da entrevista foram o ápice de um erro total. O assassino foi levado a contar detalhes de sua infância na zona rural, marcada, segundo ele, pela imagem de bois sendo abatidos a golpes de marretadas. O repórter pede que ele mostre como eram os movimentos do animal no momento da agonia. Em pé, o motoboy se contorce e cai no chão do presídio. Foi tudo medonho.

 

Como disse antes, o resultado da aberração provocou uma tremenda crise na Globo. Assustada com a péssima repercussão do caso, a direção da emissora exigiu explicações de Evandro Carlos de Andrade, então homem forte do jornalismo da casa. Descobriu-se que ele não acompanhara de perto a nova aposta de sua equipe. O que deveria ser um novo paradigma para os jornalistas morreu ali mesmo.

 

E o que explica aquele desastre? A resposta é simples. Era uma tentativa irresponsável de recuperar audiência, numa época em que a Globo via seu ibope em queda. Na guerra suja pela liderança, todos os limites são atropelados. Ficou a lição, mais uma, na longa, conturbada e espetacular história da imprensa brasileira.

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