A palavra corrupção vem do latim“corruptus” e significa o ato ou efeito de se corromper. Pode também ser definido como a prática de se oferecer algo para obter vantagem, onde um é favorecido e outra pessoa é prejudicada. E é justamente o combate a esta prática que tem motivado a Polícia Federal em Alagoas. No primeiro semestre de 2017 foram deflagradas 12 operações, sendo sete delas com foco no combate a corrupção e desvios de recursos públicos. Segundo a PF, são 69 municípios investigados por estas irregularidades no estado.

Segundo o superintendente da Polícia Federal em Alagoas, Bernardo Gonçalves de Torres, dessas sete operações de combate à corrupção, todas ocorreram na área da administração pública. O que mais chama a atenção é que os gestores e empresas envolvidas nas irregularidades tinham como alvo desviar recursos públicos da área da educação e da saúde.

Um levantamento feito pelo CadaMinuto com base nas informações divulgadas pela PF e CGU, juntas as fraudes apuradas somam uma quantia de mais de R$ 100 milhões. Outro grave ponto é que atualmente a Polícia Federal tem instaurado 101 inquéritos envolvendo crimes praticados pelos prefeitos, previstos no artigo 1º do decreto Lei 201/167 que trata de desvios de recursos e aplicação irregular de verbas públicas. Outros 38 inquéritos estão instaurados para apurar fraudes em licitações.

“Atualmente a Polícia Federal apura crimes dessa natureza em 69 municípios de Alagoas, é mais ou menos 70% do total de municípios. Tem chamado bastante atenção nessas operações que desenvolvemos nos últimos meses a falta de preocupação de alguns gestores e servidores de encobrir o mau feito. A Operação Triângulo das Bermudas, por exemplo, resultou na prisão de quatro ex-gestores. Nesse caso eles não se preocuparam sequer em armar ou fraudar um processo licitatório ou simular uma determinada licitação ou contrato entre as supostas pessoas que estavam fornecendo os serviços”, disse o superintendente da PF.

Triângulo das Bermudas no Sertão

O município de Canapi, no Sertão alagoano, pode ser considerado o maior exemplo de como o dinheiro público empregado de forma errada pode causar efeitos mais devastadores que um Tsunami. Em 2016 a Polícia Federal deflagrou a Operação Triângulo das Bermudas, que apontou um esquema chefiado pelo ex-prefeito Celso Luiz e que teria desviado R$ 18 que a União destinou ao município. Destes, aproximadamente R$ 10 milhões foram inexplicavelmente transferidos de contas bancárias da Prefeitura para contas de pessoas e empresas ligadas a gestores municipais. Em maio deste ano a segunda fase da operação, denominada Deusa das Espadas, identificou que as irregularidades continuavam a ser cometidas. Desta vez a Polícia Federal identificou um dano ao erário de R$ 17 milhões. Os valores foram desviados do antigo FUNDEF (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério) e de outros programas do governo federal na área de educação. Celso Luiz, dois ex-secretários e o vice-prefeito foram presos no dia 12 de maio.

“Essas pessoas eram muito pobres, um deles vendia picolé, outro se virava com o Bolsa Família e essas pessoas tiveram seus nomes utilizados indevidamente e de acordo com os investigados teriam sido contratados pela prefeitura, mas eles afirmaram que não prestaram nenhum serviço de veículos ou de gêneros alimentícios à prefeitura. Verificamos que esses laranjas tinham contas abertas no Banco do Brasil e essas contas eram movimentadas pelos próprios secretários. O que escandaliza é a prática ostensiva sem se preocupar com uma eventual punição”, afirmou o superintendente da PF.

Seis meses após a nova gestão assumir a administração do município muitos problemas se acumulam, principalmente na área da educação, uma das mais afetadas. Em entrevista ao CadaMinuto, o secretário de educação de Canapi, Luiz Vieira, disse que o cenário encontrado foi preocupante. Ano letivo atrasado, das 35 escolas municipais da cidade, 95% delas estavam sucateadas, recursos estavam bloqueados e muitos documentos não foram disponibilizados pelos ex-gestores.

“Até agora estamos aprendendo a andar, muita coisa não consegue ser executada, pois faltam informações. Até os caixas escolares estão todos praticamente com problemas. Estamos trabalhando com muita força de vontade, com ajuda dos professores e do pessoal de apoio para colocar as coisas no lugar. Já se passaram seis meses que assumimos a gestão, mas até agora estamos fazendo uma operação tapa-buraco dos problemas encontrados para conseguir colocar as coisas para funcionar”, contou.

A falta de recursos e o acúmulo de problemas na educação municipal refletiu no pagamento dos servidores, que segundo Vieira, apenas os efetivos estão recebendo em dia. “É um esforço muito grande que estamos fazendo. Agora estamos regularizando para pagar em dia os comissionados”, afirmou.

Apesar da quantidade de problemas encontrados, a atual gestão diz que já iniciou o calendário letivo de 2017, a merenda está sendo distribuída nas unidades de ensino, além de contabilizar um aumento no número de alunos matriculados.

Os recursos desviados da educação do município seriam para custear professores e outra parte para investir na melhoria do ensino e das escolas. Vieira diz que a situação poderia estar bem melhor se Canapi não tivesse enfrentado tantos problemas e presenciado o desvio de milhões de recursos.

“Viemos de uma seca terrível, a única fonte de renda da cidade é a prefeitura e tudo o que aconteceu com a gestão passada deixou a população ainda mais carente e necessitada de cuidados. Fizemos muita coisa, mas estamos praticamente aprendendo a andar. Se os milhões que foram desviados tivessem sido investidos num município desse pequeno, eu imaginaria a educação comparada ao ensino de Cuba ou da Finlândia. Estamos pedindo muita paciência à sociedade, pois estamos colocando as coisas no lugar”, completou.

Garantia da merenda em Rio Largo

No município de Rio Largo a situação encontrada pela atual gestão foi de recursos disponíveis, mas que não eram utilizados para a finalidade correta. Segundo a secretária municipal de educação, Mirna Costa Barros, havia um valor alto em caixa referente a repasses do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), mas que não vinham sendo utilizados em virtude da descontinuidade da compra de merendas. As licitações para a compra de alimentos não vinham ocorrendo e algumas das escolas municipais chegaram a ficar mais de seis meses sem receber merenda escolar.

Rio Largo foi uma das cidades que a Polícia Federal identificou a prática de um esquema de fraude em licitações para a compra de merenda escolar. Em março deste ano a Operação Brotherhood identificou um rombo no valor de R$ 20 milhões. Segundo as investigações, a quadrilha a agia em Maceió e nos municípios de Ibateguara, Rio Largo, São Luiz do Quitunde, Limoeiro do Anadia, Igreja Nova, Joaquim Gomes, Atalaia, Pindoba, Traipu, e São Miguel dos Campos, além dos municípios de Quipapá e Paulista, em Pernambuco.

Vale lembrar, que na primeira fase da operação, o desvio de verbas da merenda foi de aproximadamente R$ 12 milhões, segundo a CGU. A primeira fase foi executada em junho do ano passado, quando cinco municípios alagoanos - Maceió, Girau do Ponciano, Traipu, Ibateguara, Tanque D´Arca e Roteiro - foram alvos das investigações.

O grande desafio foi então executar os recursos e garantir que os alunos da rede pública tivessem acesso ao lanche nas escolas. “Nós iniciamos a gestão com algumas medidas prudentes e um programa para a compra do desjejum, além de garantir a entrega dos alimentos. Agora todas as terças-feiras os horti-fruti são entregues nas escolas e estamos conseguindo executar os recursos”, disse.

O município possui 35 escolas municipais e enfrentava problemas na educação. Agora o objetivo é realizar a formação continuada dos gestores para que os diretores das escolas consigam cumprir com a prestação de contas e executar outras metas de projetos federais. “Primeiro nós estamos organizando a gestão, que vinha sofrendo há anos com a descontinuidade. Com as medidas adotadas estamos conseguindo diminuir a evasão escolar e garantir a alimentação nas escolas. Depois outros projetos e medidas serão implantados para melhorar tanto a gestão quanto a qualidade da educação”, completou.

Licitação, a origem da fraude

A prática de desvio de recursos pode ter várias formas de ocorrer. Porém, boa parte das fraudes detectadas nos municípios alagoanos tiveram um modus operandi semelhante: fraudes em licitações.

O superintendente do Ministério da Transparência e Controladoria Geral da União em Alagoas, José Wiliam Gomes, explica que geralmente os desvios de dinheiro começam na própria prefeitura, orquestradas pelos gestores. O segundo passo acaba sendo fraudar os processos licitatórios para aquisição de bens e serviços.

“O desvio do dinheiro começa na prefeitura por meio de gestores que tem má intenção de obter recursos para se beneficiar, depois com contratações fraudulentas e segue no processo licitatório. Primeiro de forma interna, manipulando preços, direcionando a contratação, colocando critérios que limitam a contratação de empresas, manipulando o edital. Na fase externa, quando se publica o edital, pode se aparecer duas ou mais empresas, que podem combinar entre si, fazer um cartel para que uma delas vença, ou também envolvendo agentes da prefeitura”, explicou.

A CGU em Alagoas vem fiscalizando de perto os municípios para combater práticas dessa natureza. Segundo o superintendente do órgão, há um monitoramento por áreas de risco, o que eles chamam seleção de matriz de vulnerabilidade para detectar os municípios com grandes chances de ocorrer uma fraude.

“Temos uma estrutura enxuta que não nos possibilita atuar nos 102 municípios alagoanos, mas nós não paramos e estamos em constante trabalho. A situação dos municípios é complicada, quase nenhum escapa de não ter irregularidade, tanto que não há como precisar o que já foi o que está sendo e o que será desviado”, afirmou.

Para o presidente da Associação dos Municípios Alagoanos (AMA), Hugo Wanderley, a Associação vem orientando os gestores e promovendo capacitação das equipes técnicas para lidar com as exigências a serem cumpridas com o uso do dinheiro público.

Sobre a quantidade de municípios investigados por desvio de recursos públicos, Hugo disse que a AMA defende a transparência e a eficiência da gestão. “Os prefeitos são os executivos mais cobrados do país. Além dos órgãos de controle, a população está sempre próxima e atenta. Porém, ninguém pode ser condenado sem que uma sentença final seja dada. Os vários órgãos de controle já detectaram que a grande maioria dos erros acontece pela falta de informação e é exatamente isso que a AMA tem procurado corrigir. Só este semestre já foram mais de 600 servidores municipais capacitados”, disse.

Polícia Federal promete mais operações

Com um saldo 100% maior de operações se comparado ao primeiro semestre do ano passado, a Polícia Federal não deve parar e promete mais ações de combate ao crime organizado em Alagoas.

Segundo o superintendente Bernardo de Torres, todas as investigações referentes às operações já deflagradas prosseguem e não estão descartados desdobramentos.

“As investigações continuam depois de uma fase ostensiva e há a possibilidade de deflagrar outras fases. O objetivo é que na área de corrupção e desvios públicos o sejam deflagradas mais seis ou sete operações e nas demais áreas a gente deve deflagrar uma ou duas operações”, finalizou.