Ciência brasileira, últimos suspiros?

16/04/2017 12:44 - Fábio Guedes
Por redação
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O último suspiro da ciência brasileira?

Me lembro nos anos noventa do século passado ter lido um artigo científico publicado na Revista Brasileira de Pós-Graduação - RBPG que tratava da formação e crescimento dos pesquisadores em países como Coréia do Sul, Alemanha e EUA. Surpreendia as taxas coreana, demonstrando um forte investimento em pessoal de alta qualificação, preparando o país para o século XXI. Enquanto isso, nos EUA e na Alemanha crescia o número de cientistas marginalmente, pois já tinham alcançado uma taxa por 100 mil habitantes muito elevada, fruto de investimentos realizados ao longo do século XX e atração de estrangeiros com essa capacitação. Entre 2002 e 2014, o Brasil repetiu o feito dos coreanos, passamos de 50 mil pesquisadores, sendo 30 mil com titulação de doutor, registrados na base do CNPq, para mais de 200 mil, sendo 140 mil doutores. Esses pesquisadores se distribuíram pelo pais afora, levando para os mais remotos lugares e locais, conhecimento especializado e de alta qualidade. Quando estávamos prontos para investir mais em ciência, tecnologia e inovação, mudando o patamar desse investimento e seus objetivos, eis que regrediremos o mesmo tempo em que avançamos, no mínimo. O artigo escrito pelo Presidente da Academia Brasileira de Ciências - ABC e a Presidente da Sociedade Brasileira Para o Progresso da Ciência, que reproduzimos logo abaixo é um manifesto crítico a essa regressão.

 

Ciência brasileira, últimos suspiros?

Jornal Folha de Sâo Paulo, 12/04/2017

Há 30 anos, uma semente de soja plantada no solo do Mato Grosso, se germinasse, não floresceria.

Neste ano, o Estado produzirá 30 milhões de toneladas da oleaginosa. Na década de 1940, a produtividade média do plantio de soja no Brasil era de 700 kg por hectare; hoje, é de 3.000 kg/h, e há produtores que já conseguem extrair 8.000 kg/h.

Milagre? Não, ciência e tecnologia.

Pesquisadores da Embrapa e de nossas universidades conseguiram fazer a soja, originária de regiões de clima temperado, produzir em abundância em regiões de baixas latitudes e clima quente. O Brasil é vice-líder na produção, com 108 milhões de toneladas.

No mar, não foi diferente. A Petrobras ultrapassou a camada pré-sal e descobriu petróleo em profundidades jamais alcançadas.

Vidência? Não, ciência e tecnologia.

Cientistas e engenheiros do Centro de Pesquisas da Petrobras (Cenpes), somados a colegas de universidades brasileiras, são os primeiros artífices do sucesso da empresa em águas superprofundas e, portanto, protagonistas da autossuficiência brasileira no setor.

Na década de 1940, o então tenente-coronel Casimiro Montenegro Filho dava os primeiros passos para a construção da indústria aeronáutica no país. O Brasil nem sequer fabricava bicicletas, mas já começava a esboçar a Embraer, hoje terceira maior fabricante de aviões do planeta.

Premonição? Não, ciência e tecnologia.

As raízes da Embraer estão no Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA) e no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), duas instituições baseadas no conhecimento idealizadas por Montenegro há mais de 70 anos.

Histórias de sucesso como essas não se repetirão em nosso país: os recentes cortes no orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações terão como consequência o desmonte dessas atividades no país.

O aperto do cinto orçamentário começou em 2014, aumentou em 2015 e se agravou em 2016. Em 2017, piorou ainda mais: nossa ciência será tratada a pão e água.

Os cortes anunciados pelo governo federal em 30 de março estabelecem o orçamento do ministério neste ano em R$ 3,275 bilhões para custeio e investimentos. Esse valor representa uma volta a 2005, quando o orçamento executado foi de R$ 3,249 bilhões.

A diferença é que nesses 11 anos nosso sistema de ciência e tecnologia cresceu exponencialmente.

Em 2006 publicamos 33.498 artigos em periódicos científicos indexados; em 2015, foram 61.122, o que fez o Brasil subir duas posições no ranking mundial de produção científica, alcançando o 13º lugar.

Em 2006, nossos cursos de doutorado tinham 46.572 alunos e titularam 9.366 deles. Em 2015, foi o dobro: 102.365 e 18.625, respectivamente.

Os programas de pós-graduação passaram de 2.266 para 3.828.

Os grupos de pesquisa, em 2006, eram 21.024 e abrigavam 90.320 pessoas. Em 2016, passamos para 37.460 e 199.566, respectivamente.

Essa evolução foi sustentada por um orçamento crescente.

Em valores corrigidos pelo IPCA até 2016, o orçamento praticado no ano de 2005 foi de R$ 6,467 bilhões. O orçamento atual do ministério, após os cortes, corresponde a cerca de 50% desse valor, com o agravante de que agora estão inclusas as despesas do extinto Ministério das Comunicações.

Como pesquisa e desenvolvimento não se fazem com milagres, clarividências ou premonições, mas sim com investimentos constantes, a ciência brasileira caminha para a ruína.

Teremos um país talvez com um ajuste fiscal perfeito, mas com um atraso econômico e social digno de uma república de bananas - exatamente o contrário dos países com economia moderna, baseada em ciência e tecnologia, como EUA, Alemanha, Reino Unido, Japão, Coreia do Sul e China.

HELENA NADER, professora titular de biologia molecular da Unifesp, é presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).


LUIZ DAVIDOVICH, professor titular do Instituto de Física da UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro, é presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC)

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