Aos oito anos  ela descobriu o crack.

Eu a conhecia aos dezesseis anos, em um centro de Ressocialização.

Era mais uma tentativa de voltar à vida “normal”.

Sua 24ª internação.

Adolescente determinada e com forte potencial de liderança, a moça falava em recomeços, caminhos, possibilidades.

No fundo, no fundo ela  fantasiava o mundo aqui fora. Esqueceu de como a sociedade, os poderes podem ser cruéis com os "fora do padrão".

A moça preta participava de Rodas  de discussões do Instituto Raízes de Áfricas, e em um dessas discussões  ela pegou o microfone e falou direto para os renomados palestrantes:- Vocês falam muito bonito, e eu admiro a fala de vocês, mas, preciso  confessar  uma coisa: Não entendi nada, do que vocês disseram..

A moça era assim: aguda em suas observações, perspicaz na leitura do cotidiano.

Quando entregaram a liberdade em suas mãos, fora dos portões fechados de onde se encontrava, a moça preta reinterpretou o significado  do que vem a ser  exclusão social, preconceito, racismo tudo junto.

A liberdade  e o ócio não fazem uma boa combinação. E ela me dizia:- Eu preciso arrumar um trabalho. Ter dinheiro para comprar minhas coisas...

E  saímos na missão  de bater portas- secularmente-fechadas na busca de inserir a moça no mercado de trabalho.

Muitas promessas e nada aconteceu.

Foram  três  meses de peregrinações.

Todo  santo dia o  crack a chamava de volta: Venha. Venha. Venha!

 Sem  nenhuma forma de  acompanhamento estrutural para  egressa-socioeducativa,  a  moça preta que ficou na abstinência das drogas durante 365 dias, sucumbiu a sedução e  voltou para o lugar  que a sociedade a percebe: Voltou para o crack.

Para a prostituição.

Para  a vida do crime.

A moça preta está marcada para morrer.

Aos  dezoito  anos.

Quem representa essa moça preta?

E, quem se importa com isso?