"Suicídio é problema de saúde pública", aponta psiquiatra

09/09/2016 08:40 - Clau Soares
Por redação
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De acordo com pesquisa realizada pelas universidades Federal de Alagoas (Ufal) e de Ciências da Saúde de Alagoas (Uncisal), Alagoas registrou 513 casos de suicídio, entre 2013 e 2015. O número chama a atenção para uma questão de saúde pública ainda pouco debatida: o suicídio.

Em entrevista, o psiquiatra Valfrido Leão de Melo Neto, graduado pela UFAL, com especialização, mestrado e doutorado pelo Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPUB/UFRJ), esclarece diversas questões acerca do tema, bem como aponta orientações para prevenir o suicídio. 

Confira a entrevista na íntegra:

Blog: Há estudos acerca das razões que levam o indivíduo a cometer o suicídio? Se sim, o que motiva o suicídio?

Valfrido Leão: Na verdade existe toda uma corrente de estudo sobre o suicídio, chamada Suicidologia. O pai da Suicidologia, Shneidman, refere que o principal motivo pelo o qual alguém se suicida é para eliminar uma dor psíquica insuportável. O que leva a essa dor insuportável, no entanto, pode variar entre as pessoas. Problemas de relacionamento, perdas como as do status econômico, do emprego, do papel na sociedade, de um ente querido, podem motivar uma crise pessoal. É importante ressaltar que o suicídio é um fenômeno complexo e multifatorial.

O comportamento suicida envolve desde os pensamentos sobre morte, ideação suicida, tentativas de suicídio até o suicídio consumado. Alguns fatores de vulnerabilidade já foram identificados, como: maus tratos infantis (quanto mais grave o abuso, maior tende a ser a vulnerabilidade), história familiar de comportamento suicida, alto grau de impulsividade, baixa auto-estima, desempenho escolar ruim, entre outros. Estes fatores são especialmente importantes naqueles que sofrem de depressão.

Observa-se que pelo menos 90% daqueles que se suicidam apresentam algum transtorno mental, sendo a depressão o mais comum. Outros transtornos como o Transtorno Bipolar, Esquizofrenia e Dependência Química, além dos Transtornos de Personalidade também apresentam papel importante nesse fenômeno. Costuma-se dizer que o transtorno mental é uma condição necessária, porém não suficiente, para explicar o suicídio, tendo influência dos fatores de vulnerabilidade principalmente a história pessoal de tentativas prévias de suicídio. Assim, não podemos afirmar que exista um motivo específico para o suicídio, mas uma soma de fatores desde transtornos mentais a eventos de vida estressantes, baixo suporte social, sensação de desespero e desesperança que levam a uma dor psicológica insuportável, para a qual o suicídio parece, para a pessoa que o comete, como uma solução. Porém, como diz o Jornalista Andrew Solomon em seu premiado livro "O demônio do meio-dia", o suicídio é uma solução permanente para um problema temporário.

 

Blog: Falar sobre suicídio ainda é um tabu em nossa sociedade? Por quê?

Valfrido Leão: Sim, muito provavelmente porque as pessoas não sabem como abordar o tema, se sentem desconfortáveis falando sobre esse assunto, temem estimular o suicídio daqueles que precisam de ajuda ou envolvem questões de julgamento moral ou religioso sobre o suicídio. Alguns receiam perguntar, pois pensam que, se o sujeito responder que tem vontade de se matar, não saberá como agir e se sentirá responsável pela vida dessa pessoa.

Blog: Em que idade os suicídios são mais frequentes?

Valfrido Leão: Historicamente os suicídios costumavam ser mais comuns entre os idosos, do sexo masculino, sem companheira(o), com doenças crônicas e depressão. Contudo, dados recentes da OMS apontam que o suicídio se tornou a segunda principal causa de morte em jovens abaixo dos 25 anos de idade e a principal causa de morte entre garotas adolescentes.

Blog: A família e os amigos podem ajudar potenciais suicidas? Como?

Valfrido Leão: Sim. A família e os amigos podem ter um papel crucial na prevenção do suicídio. Ao contrário do que se imagina, conversar sobre suicídio não estimula o ato, aliás, costuma trazer um grande alívio para quem está pensando em se suicidar. Sentir que alguém realmente se importa com ele e demonstra interesse em ajudar, pode trazer esperança para o potencial suicida. Também, é através de uma conversa aberta, franca e sem julgamentos, que o sujeito com risco de suicídio pode passar a se sentir compreendido e assim aceitar ajuda especializada.

Esta pode ser adquirida tanto em serviços públicos como Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e Emergência Psiquiátrica (Hospital Portugal Ramalho), como no setor privado, em serviços ambulatoriais, consultórios. Também, pela internet, como através do Site do Centro de Valorização da Vida: www.cvv.org.br, no qual tanto pode se falar por chat ou email, como por uma linha direta.

Blog: Como identificar que um indivíduo pretende cometer suicídio?

Valfrido Leão: Relatos de que a pessoa sente que sua vida perdeu o sentido, que seria melhor morrer ou sumir, ou ainda que pensa em colocar um fim à própria vida dão um bom indício do risco. Encontrar mensagens ou cartas de adeus também podem ser uma sugestão. Pessoas que vinham muito angustiadas e de repente parecem tranquilas como se tivessem encontrado uma solução para a sua angústia, merecem atenção. Também, quando observamos que as pessoas parecem se preocupar em tomar providências para proteger seus entes queridos, como fazer testamentos ou seguros de vida e organizar documentos.

Blog: O que pode ser feito para prevenir o suicídio?

Valfrido Leão: Apesar de ser um problema de saúde pública, o suicídio pode ser prevenido. Este é um esforço que deve ser compartilhado com toda a sociedade. Costumam ser fatores de proteção: manter bons laços afetivos, bom relacionamento com amigos e familiares, alimentação saudável, dormir bem, evitar uso de álcool e outras drogas e praticar exercícios físicos, entre outros. Também se faz importante identificar as pessoas expostas a fatores de risco como: abuso emocional, físico ou sexual, violência doméstica, instabilidade familiar, falta de suporte social, bullying, isolamento social, desemprego, aposentadoria, entre outros. A partir daí, investigar o estado emocional dessas pessoas e encaminhar para ajuda especializada as que se mostram em sofrimento. Dificultar acesso a meios que possam levar ao suicídio, como impedir o acesso a armas de fogo ou venenos. Também, com ajuda especializada, diagnosticar o mais rápido possível qualquer transtorno mental, a fim de tratá-lo e evitar complicações como o comportamento suicida. O tratamento pode envolver medicamentos, psicoterapia e em alguns casos internação.

Blog: Há hoje políticas públicas voltadas para prevenir o suicídio? Elas funcionam?

Valfrido Leão: A OMS lançou um plano de ação, cujo objetivo é reduzir em 10% os números de suicídio até 2020, no mundo. No Brasil, o Ministério da Saúde instituiu as Diretrizes Nacionais para a Prevenção do Suicídio, a partir da portaria No. 1.876, de 14 de agosto de 2006 e lançou manuais para capacitação de profissionais da saúde mental. Ainda assim carece de executar um trabalho de restrição a meios de suicídio, redução do estigma, treinamento de profissionais de saúde além de bombeiros, professores, policiais, entre outros e de orientações para a mídia, de modo maciço e sistematizado. Ainda é necessário ampliar acesso a serviços de saúde mental, abordar mais efetivamente os que sofrem por abuso de álcool e outras drogas, manter um programa especial de avaliação e acompanhamento daqueles que já tentaram suicídio, além de melhorar as políticas de qualidade do trabalho e apoio aos desempregados, entre outras ações.

Blog: Qual o panorama dos casos de suicídio no mundo e em Alagoas?  

Valfrido Leão: A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que a cada ano cerca de um milhão de pessoas morre por suicídio, sendo este um problema de saúde pública. No mundo, uma morte a cada 40 segundos ocorre por suicídio, que representa a décima quinta maior causa de morte no planeta. Na América Latina, o Brasil lidera o ranking de mortes por suicídio em números absolutos, tendo registrado 11.821 casos em 2012.

Uma pesquisa realizada em parceria entre as Universidades Federal de Alagoas (UFAL) e de Ciências da Saúde de Alagoas (UNCISAL), pelos cursos de pós-graduação de Medicina e Enfermagem, constatou que entre 2013 e 2015, em Alagoas, foram registrados 513 casos de suicídio. Sendo 3 vezes mais casos de homens que de mulheres. Os casos ocorreram em pessoas entre 10 e 87 anos de idade. Quarenta e dois por cento dos casos ocorreram na faixa dos 30 aos 49 anos, seguida da faixa dos 15 aos 29 anos, com 31%. As cidades com mais registros foram: Maceió (141), Arapiraca (44) e Palmeira dos Índios (18); porém as cidades com as maiores taxas por 100.000 habitantes foram: Major Isidoro (19,4/100.000 habitantes), Coité do Nóia (18,3/100.000 habitantes) e Mar Vermelho (18,2/100.000 habitantes), com taxas semelhantes às dos países do leste europeu. Vale ressaltar, contudo, que os registros no Brasil, inclusive em Alagoas, podem estar subestimados devido à deficiência no preenchimento dos dados dos serviços de saúde em geral e da dificuldade em se tipificar algumas mortes como decorrentes de suicídio.

O suicídio é um problema de saúde pública e seu número vem crescendo no Brasil, nos últimos anos, o que tem motivado a Associação Alagoana de Psiquiatria a fazer um trabalho de conscientização junto à população com o intuito de frear o avanço dessas taxas.

Desde 2003, a OMS passou a celebrar o dia 10 de setembro, como o dia mundial de prevenção ao suicídio.

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