Gilza Marques, baiana, residente em Brasília, pan-africana escreve:
"Nosso povo vive na masmorra. Come lixo. Tá encarcerado com ratos. Perde os membros pra diabetes. Morre de parto.
Nosso povo não sabe ler. Quando sabe ler não interpreta. Tem sua terra roubada. É escravizado na pecuária e na agricultura. Humilhado todo dia. Mortos e amputados em acidente de trabalho. Perde o órgão sexual pra doença falciforme.
Nosso povo morre de aids. Tuberculose. Corpo tomado de escabiose. Mora na rua. Anda nu. Nada no esgoto. Bebe água barrenta. Come pombo. Vende o corpo. Morre na mão da polícia. Do exército. Da marinha. Da aeronáutica.
Nosso povo é esquartejado, arrastado, ensacado. Estamos nas sinaleiras, no crack, no cárcere, nos hospitais psiquiátricos. Nos manicômios judiciários.
Mas o debate que mais move a internet é a "solidão" de mulheres pretas universitárias de 20 e poucos anos que não tem namorado.
Vamos discutir solidão? Eu quero discutir a solidão das mulheres pretas que estão cometendo suicídio porque instalaram uma porra de uma usina de energia eólica do PAC próximo de sua casa e ela e sua família ficam 24 horas por dia sob uma hélice que não para de girar-não para de girar - não para de girar. O tempo todo - não para de girar - sobre suas cabeças - não para de girar - sobre suas casas - não para de girar - fazendo um intervalo luz sombra 24 horas por dia- não para de girar - , todos os dias - não para de girar - o dia todo. Quem lembra dessa mulher?
E enquanto nós temos uma população rural majoritariamente preta e feminina sofrendo como o pão que o diabo amassou sem nem acesso à internet, energia elétrica, água potável e rede de esgoto, quem entrou na universidade quer fazer TCC, mestrado, doutorado e pós doutorado em CABELO, solidão de quem ascendeu financeiramente, apropriação cultural (como se branco tivesse feito alguma outra coisa ao longo da história) e colorismo.
Eu devo ser mesmo muito bruta. Entende porque eu jamais poderia ser membro de um movimento desse? No dia que a pauta principal for VIDA, vida plena e em dignidade, quem sabe? Mas enquanto a problematização maior for a branca que quer ser negra, ou o preto que apareceu no samba com uma loira interesseira, não me chame pra esse fosso ocidental.
Quem sabe saindo um pouco do facebook e descendo pra vala comum onde vive o nosso povo a gente aprende o que é solidão DE FATO?"