Ilha do Ferro (AL): esculturas e bordados às margens do Rio São Francisco
Imagine um lugar onde o tempo não passou. Lá, ainda há carros de boi, crianças brincam soltas pelas ruas, namorados e amigos se encontram na praça, lavadeiras lavam as roupas nas águas do Rio São Francisco, mulheres bordam sentadas na calçada e os homens fazem esculturas. Na Ilha do Ferro, no interior de Alagoas, a 18 quilômetros do município de Pão de Açúcar, o cenário parece ter saído de um filme e onde encontramos uma grande história.
Com cerca de 450 moradores e difícil acesso (só é possível chegar lá por uma estradinha de barro ou pelo rio), a Ilha do Ferro reúne uma aglomeração impressionante de artistas populares. Apesar da pouca ou nenhuma educação formal, eles produzem uma arte aclamada por especialistas.
A beleza, a técnica, a cultura e a singularidade chamam a atenção dos apreciadores, colecionadores e pesquisadores que veem nelas algo que transcende a humildade do povoado. Por tanto significado, as peças têm figurado em revistas especializadas e viram atrações de exposições nacionais e internacionais.
Aberaldo, Vieira, Zé Crente, Valmir, Petrônio, entre outros, esculpem a madeira morta que encontram na vegetação típica da paisagem do sertão alagoano: a caatinga. A preocupação com a sustentabilidade existe no lugar e surpreende. Na simplicidade do vilarejo, os artistas reconhecem que não podem destruir a natureza ao redor. E isto dá ainda mais sentido a cada obra de arte produzida.
Alguns conseguem uma boa renda com as peças, mas a maioria tem a produção artística como complemento da pesca. A morte iminente do Rio São Francisco e a escassez de peixes nas águas que banham o povoado são lamentadas frequentemente pelos moradores. O Rio, por sinal, é um caso de amor de todos que moram ali e que guardam memórias saudosas das cheias passadas.
Há ainda de se registrar aqui o bordado Boa-Noite, encontrado somente na Ilha do Ferro, uma tradição que passa de mãe para filha. Os pontos delicados são trabalhosos e aparecem em itens para mesa, cama e banho. Joias tramadas com linha e agulha. Só as mulheres da localidade bordam e são elas que formam uma cooperativa para incentivar a produção e a venda de produtos com o Boa-Noite.
Apesar da riqueza artística, a maior parte das famílias vive com a ajuda de benefícios sociais do governo. A realidade é humilde e o dinheiro, pouco. São detentores de uma arte única, entretanto o ganho de tudo que fazem é pouco. Uma cadeira que sai de lá por R$ 70 é comercializada a R$ 400 nos grandes centros. A riqueza fica em mãos alheias ao invés de voltar para as mãos de quem as produziu.
Há tanta beleza materializada que é impossível sair de lá sem comprar um paninho bordado ou uma peça de madeira. Como a maioria dos artistas e bordadeiras não trabalha com cartão de crédito, o ideal é levar uma reserva em dinheiro para pagar diretamente pelo produto e, assim, favorecer quem realmente traduz cultura ribeirinha em madeira, suor e bordados.
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