Desembarcamos em Porto Alegre  na terça-feira, 19 de janeiro,   meio que imigrante,  com uma ideia na cabeça e muitas indagações-inquietações que  a rondavam.

Com o apoio da Federação das Indústrias do Estado de Alagoas e da Secretaria de Estado da Comunicação, o Instituto Raízes de Áfricas, propôs  uma atividade autossugestionada para a programação do Fórum Social Mundial ,( Porto Alegre, 19 a 23 de janeiro) denominada: A Roda  Conversa  “Protagonismo e Antagonismo: As múltiplas, diferentes e diversas faces do Movimento Negro na construção da Emancipação Preta”,para as 13 horas do dia 22 de janeiro.

Como a estrutura do Fórum Social  é um tanto dispersa ( por que essa enxurrada de atividades, com a mesma temática, em um único horário  ¿) me perguntava como agregar público em um lugar basicamente desconhecido¿

O  calor asfixiante do dia da chegada  me fez ficar no quarto do Hotel e  aproveitei a conexão da internet para fazer contatos, articulando público.  Convida aqui, convida ali e  após as supostas confirmações, fiz minha conta mental: - Bem se forem 10 pessoas já está de bom tamanho, afinal, estamos em território desconhecido.

E no percurso das inquietações  surge o companheiro do Ceará, Genézio, que, no dia da atividade   nos trouxe a solidariedade da partilha  na arrumação da sala, fez a vez de fotografo, lista de presença. No  passar das horas consultávamos  o relógio: Cadê o povo¿

E aí surge o protagonismo  jovem da Letícia,  22 anos, do  Centro da Juventude Cascavel, no Paraná, que veio com o grupo participar da oficina sobre água na sala vizinha e depois de uma longa  conversa  que tivemos, a menina  muda os planos e resolve  se juntar a nossa Roda de Conversa.

E depois de Letícia, foi chegando Camila, sua sogra, Adelina e  mais gente sorridente, o povo  falando de uma energia que puxava para a sala-atividade.

Fizemos de inicio uma homenagem  singela, mas,  carregada de emoção às duas amigas de luta e  guerreiras negras do Movimento Negro do Rio Grande do Sul,  Maria Eloa dos Santos e Silvia Regina Souza Vieira, falecidas em 2015.

Com   um  grupo diverso, diferente e igual na proposta do auto-conhecimento, a Roda de Conversa fluiu.

Mágica. Esplendorosa. Poderosa. Orgástica- como afirmou  Roseani Fonseca Martins, presidente da Associação dos Trabalhadores da Educação do Estado da Bahia.

O método da Roda de Conversa, como espaço político de resistência foi a escuta. As pessoas assumindo suas falas e tendo tempo de quebrar o silêncio de dores embrulhadas pelo tempo expostas ao racismo.

“Eu ainda estou aprendendo a usar meu poder de negra”- disse Adelina, que foi professora, quando jovem:- “Quando fui professora algumas  crianças pequenas não queriam ir à escola porque eu era negra. E eu não entendia”- continua falando: “Me vestia bem, igual às professoras brancas, um blazer bem talhado e mesmo assim nunca consegui ser valorizada como elas eram...”

Foram inúmeras falas que mesmo diferentes em tempos e espaços mostravam como o racismo age igual e perversamente  e vai maculando nossa saúde e auto-estima.

“ Nos adoece, nos deixa frágeis”- diz a historiadora paulista Gisele dos Anjos.

A Roda de Conversa possibilitou abraços, afagos, homenagens e a reflexão de que a luta das  mulheres negras como militantes anônimas precisam ser resgatadas em seus estados, como ação do registro  nos  livros escolares.

Constituiu-se em um ponto de partida para que discutíssemos ação do racismo em nossa vidas de mulheres negras e no  nosso entorno, violentado pelo terrorismo da intolerância social e estrutural.

A Roda de Conversa , também foi terapêutica, feito colo acalentador que  permitiu  que desnudássemos a  cartografia das nossas  pessoais  repletas de cantos e esquecimentos  que contam memórias e dores ancestralmente contemporâneas.

Reginaldo Bispo, reafirma que o racismo é conveniente para o estado brasileiro, portanto não há interesse em debelá-lo

Então, meninas e meninas, somos nós por nós...

Continuemos  na Roda pelos caminhos do mundo,  sem esquecer os abraços, afagos, aconchegos.

Obrigada, as gentes do Rio Grande do Sul, Paraná, Bahia, Ceará,  as 20 mulheres e 02 homens pret@s  presentes, um público , maravilhosamente, espontâneo e coeso e com a mesma sinergia.

E a Roda se fez. Desafio proposto. Tarefa cumprida.

Asè!