A face mais cruel do racismo talvez seja aquela que põe o negro contra o próprio negro, sem que eles tenham consciência de que estão sendo usados como instrumento de dominação. Como você quer que uma criança negra, que não tem nenhum valor positivo no seu ambiente escolar – na verdade aprende a ser branca, do ponto de vista cultural, embora de pele negra – valorize a sua cor, a sua história? Ela não tem identidade. É negra, mas de identidade branca. É natural que, como também está em conflito, queira se negar. Uma forma de se negar é agredir o igual. Na verdade é uma coisa ideológica, maquiavelicamente construída, explica Ivanir dos Santos, secretário-executivo do CEAP – Centro de Articulação de Populações Marginalizadas, uma organização não-governamental atuante desde 1989.

Sem uma análise profunda, diz Ivanir, é comum que alguns mal informados apresentem o problema como se fosse do indivíduo. Ou seja, o negro não gosta do negro, simplesmente. Não se leva em conta o modelo de dominação, que nos educa todos como se fôssemos brancos. Depois de muita luta, se vê um pouco no mercado a presença de modelos negros. Antes não havia. Até hoje, todas as apresentadoras de programas infantis são louras e quase sempre de olhos azuis. Então como você quer que essas pessoas se encontrem, se enxerguem na sociedade brasileira?, questiona.

A sociedade mostra para o negro qual é o lugar dele. E o lugar é de subalternidade. Esse lugar não é só apresentado do branco para o branco. Também é apresentado do branco para o negro, e do negro para o negro, salienta Jurema Batista. Geralmente um negro, quando trata outro de uma forma ruim, é porque ascendeu a algum posto. E quando isso acontece, se não tem consciência racial, ele acha que já não faz parte daquele grupo extremamente discriminado, que todo mundo sempre disse que não vale muita coisa, que 'quando não faz na entrada, faz na saída'. Então ele tem necessidade de, ao ascender, fazer aliança com quem domina, que são os brancos.

Desde a escravidão, os negros são tidos como não confiáveis, porque fugiam; por isso, não podiam saber das coisas da Casa Grande. Então, quando ganha confiança, tem total aliança com o dono do poder e passa a discriminar seu irmão. É triste, mas ele vira 'preto de alma branca'. Tudo isso é decorrência da educação racista. Tudo que representa conforto, beleza e poder é representado pela raça branca. Você vê uma mulher negra vendendo um carro de mais de R$ 60 mil? Claro que não, até porque essa não é a nossa realidade, conclui.

O racismo é um problema que não ajuda a sociedade brasileira a avançar, quer dizer, impede que talentos importantes consigam se expressar. Exemplo disso, segundo Ivanir, aconteceu no mês passado quando ele foi à Pontifícia Universidade Católica – PUC do Rio de Janeiro para resolver um problema que tinha ocorrido com um aluno do mestrado. É o único negro no mestrado que fala inglês e francês. Para se inscrever, fizeram exigências absurdas, diferente dos outros. E olha que ele ainda vai pagar antecipadamente, pelo chamado curso casado com universidade estrangeira, na França. Tive que ir lá conversar com a reitoria, com a vice-reitoria. Não sabiam do problema, porque a reação é de um departamento. Observe que a PUC faz programa de ação afirmativa. O que demonstra que, mesmo numa universidade que tem sua reitoria empenhada, há resistência, narra. E neste caso, também não se pode dizer que o problema não é racismo e sim de classe social. Estou mostrando um cara que foi executivo, trabalhou em empresa multinacional, completa Ivanir.

 

Fonte: http://opiniaoenoticia.com.br/cultura/negro-contra-negro/