Retrato de mulheres que moram no lixão em Arapiraca

10/10/2015 22:06 - Clau Soares
Por redação
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No lixão, na comunidade Mangabeiras, em Arapiraca, há mulheres, como nós. Elas tingem o cabelo, usam vestido floral, sabem amar, usam celulares e veem TV. Elas, no entanto, não têm o que nós temos: instrução e algum dinheiro, o suficiente, ou um pouco mais, para usufruir de um bem básico: a dignidade.

No olhar de uma delas, de 42 anos, mas com aparência de 60, o sofrimento grita. Um sofrimento que ela nem tem consciência. Segura a neta, uma das quatro que já tem, enquanto os filhos pequenos brincam, em meio a moscas, a cães que se coçam sem parar, a galinhas com seus pintinhos e a muito lixo e mau cheiro. Ela diz estar acostumada em morar ali porque está no seu barraco "próprio", sem pagar aluguel, desde 2006, quando se mudou.

Outra, mais jovem, está há dois anos, morando no local. É catadora, assim como o companheiro com quem divide o lar, há 12 anos. São de Palmeira dos Índios. Não têm filhos porque a natureza não permitiu. Queria  quatro. "Para fazer barulho na casa", diz. À noite, não vai dormir, vai catar itens para reciclagem (garrafas pet, plásticos, alumínio, ‘cacarecos’) no monte de lixo fétido que produzimos e que chega diariamente ao lugar onde essas pessoas moram. 

Samuel, um homem que há 18 anos, vai religiosamente, todas as sextas, para levar uma refeição diferente às famílias, acompanhou-me na visita. O casal Télio e Yanne fez a gentileza de nos conduzir, de carro, até o ponto mais alto.

Assim que o carro parou, cerca de dez pessoas surgiram instantaneamente: homens, adolescentes, crianças. Quando perceberam que não trouxemos nada, foram se afastando, apesar de a câmera fotográfica atrair alguns. Coração apertou. Rostinhos sujos olham nos nossos olhos e sorriem.

Sim, ainda existe gente vivendo assim. Esta é a realidade destas famílias. Morar em um barraco, em péssimas condições de higiene, sem perspectiva de mudança de vida. Incompreensível. Na minha cidade, na "Metrópole do Futuro", em Arapiraca.

A cada dois anos, eles dizem que os candidatos a cargos políticos sobem o morro, depois desaparecem. Eleitos ou não. Os tais “políticos” só voltam a lembrar da comunidade depois de dois anos, quando retornam para "dar uma cesta básica". Eleições.

Samuel disse que agora tem pouca gente morando nos barracos, que a parte de baixo  já tem a maioria das casas com alvenaria. No entanto, como podemos fechar os olhos para pessoas, como nós, que para garantir o sustento precisam catar lixo?

A inclusão no mercado formal de trabalho seria uma alternativa; incentivar a coleta seletiva na cidade, com a separação dos itens para reciclagem, em cada casa, é outra; conscientizar insistentemente aquelas famílias de que viver naquele ambiente não é vida, o mínimo essencial. Por que não fazemos nada?

Enquanto isso, as mulheres, como nós, continuam ali. Vivendo cada dia. Cada ano. Cada nova gestação. E tudo, de novo, se repete...

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