Na manhã da quinta-feira 27 de agosto, antes do inicio da solenidade de lançamento do Programa de gestão Diálogos Palmares: Perspectivas e ações da política nacional para a cultura afro-brasileira, que aconteceu no Salão Negro do Palácio da Justiça,em Brasília, a coordenadora do Instituto Raízes de Áfricas, Arísia Barros, convidada da Palmares,  foi a interlocutora  da entrega da Carta dos Moradores da Serra da Barriga, em União dos Palmares, AL ao Sr. Ministro da Cultura, Jucá Ferreira.

A Carta nos chegou por e-mail enviada por José Carlos dos Santos, Mestrando em Teoria e Análise Linguística pelo Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística - PPGLL/UFAL e professor concursado pela Secretaria do Estado da Educação e do Esporte (SEE/AL) em União dos Palmares.

O Ito- como muitos o conhecem- é um legítimo filho da Serra, como guia turístico conhece e reconhece sua história.

Segundo o ministro, Jucá Ferreira, a presidenta da Fundação Cultural Palmares dara resposta aos moradores das demandas apresentadas.

Eis a carta:

 

 

União dos Palmares, 25 de agosto de 2015

 

Ào  Excelentíssimo Senhor,

Jucá Ferreira

Ministro da Cultura

Assunto:Problemáticas que negligenciam direitos de sobrevivência, existência e participação dos moradores da Serra da Barriga 

 

Senhor Ministro:

Vimos por meio deste, através das quinze famílias residentes na área tombada do Parque Memorial Quilombo dos Palmares, em União dos Palmares, abordar problemáticas que estão negligenciando direitos de sobrevivência, existência e participação dos moradores da Serra da Barriga.

Inicialmente, para devidos esclarecimentos e conhecimentos da situação, apresentaremos, ainda que de forma resumida, sobre o contexto histórico de sobrevivência e resistência dos moradores da Serra da Barriga; mas, em particular, o dos do Parque Memorial Quilombo dos Palmares, num total de 15 famílias, que se deu antes do tombamento, em 1986.

Desde que o Quilombo dos Palmares (considerado a maior fortaleza das Américas) foi destruído, em 6 de fevereiro de 1694, milhares de quilombolas (negros, indígenas e brancos pobres), à época, lutaram por liberdade até a morte; uns pularam de um precipício, preferindo a morte que a escravidão; e outros preferiram fugir para que pudessem existir e resistir em matas de Alagoas e Pernambuco, bem como de dar continuidade à luta por liberdade. Após destruição da Sede de Palmares, que era localizada na Serra da Barriga e arredores, a Capitania de Pernambuco proibiu a permanência de quilombolas na região; mas, posteriormente, como recompensa, destruidores recebem sesmarias (grandes extensões de terras) para que pudessem habitar e/ou dar a seus descendentes. E aí, nesse contexto, dezenas de coronéis/senhores de engenhos, filhos dos inimigos do Quilombo, trouxeram suas famílias à região, que, um dia, havia sida habitada pelos guerreiros da liberdade: nossos ancestrais.

Quando tais famílias burguesas chegaram às terras ensanguentadas, em 1730 (aproximadamente), perceberam, à época, que ainda havia descendentes de Palmares espalhados por mata adentro. E, como de praxe, resolveram escravizar os que estivessem por lá, que, forçadamente, perderam a herança de terras de seus verdadeiros donos: os quilombolas. Anos após anos, os descendentes dos quilombolas estiveram assim:trabalhando em fazendas e engenhos de açúcar na região onde havia sido erguida a Sede do Quilombo dos Palmares, hoje, a Serra da Barriga. Dezenas de palmarinos, por anos, estiveram espalhados pelas proximidades da Serra; outros, percebendo que havia terra fértil e água à vontade para sobrevivência, emigraram ao topo da montanha.

Partindo dos direitos de sobrevivência e existência, percebemos, nesse sentido, que as famílias residentes na Serra da Barriga (com exceção das que vieram de regiões não relacionadas aos quilombos) são legitimamente descendentes dos guerreiros da liberdade, ainda que isso implique na miscigenação de raças e/ou religião. O termo “palmarino”, por sua vez, como gentílico, remete à descendência quilombola, pois vem de “Palmares”. E são de alguns pontos, como, por exemplo – “sobrevivência”, “descendência” e “religião” – que abordaremos questões intrigantes que estão sendo relacionadas às famílias da área tombada do Parque.

Desde que houve o tombamento do Parque Memorial Quilombo dos Palmares, em 1986, pelo IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, questões de acusações e restrições foram direcionadas aos moradores da Serra. Uma delas, por exemplo, foi apontado e ainda está sendo por muitos de que os residentes da área tombada não são descendentes dos quilombolas, mas, sim, invasores. Percebemos, nesse sentido, que a tentativa de certas pessoas em contrariar a existência e descendência dos moradores-palmarinos não se sustenta, pois não está sendo baseada em fatos históricos da formação do Quilombo dos Palmares, que se deu por três raças: negra, indígena e branca (pessoas pobres); mas, sim, por questõesde poder, pela ocultaçãoda existência do outro. Outra situação diz respeito ao direito à moradia, pois, até hoje, as famílias são proibidas de reformar suas casas e, principalmente, de terem direito à sobrevivência, já que seus pequenos espaços de plantações foram restritos literalmente. Compreende-se, sem dúvida, que a preservação é primordial; no entanto, a este ponto, infringe-se o direto de moradia e sobrevivência, isto é: os Direitos Humanos. E, como se não bastasse, os residentes do platô do Parque foram diversas vezes acusados de terem incendiado a área de preservação, sem qualquer prova verídica. Tal acusação, como todos sabem, tem apenas um propósito: forçar a retirada das famílias a terras desconhecidas, inapropriadas à sobrevivência. Ressaltamos, ainda, que diversas e diversas vezes o moradores estiveram à frente combatendo incêndios provocados por residentes no sopé da Serra; mas, como de praxe, a maioria das acusações foi direcionada aos que moram na área tombada.

Com relação à preservação ambiental, a área tombada está cada vez mais arborizada. Vale salientar que, tal ação não se dá solitariamente, pelo contrário, foi através da conscientização das famílias que moram na localidade, junto a Guarda Florestal. Elas percebem que, ainda de ser um lugar histórico-cultural, é, também, um espaço de preservação. Trataremos também, ainda que em poucas palavras, sobre o isolamento de participação política dos moradores-palmarinos nos eventos que envolvem o Parque Memorial Quilombo dos Palmares, bem como sobre curso de capacitação e atividades culturais que poderiam contribuir diretamente para a preservação do Parque. O Memorial, hoje em dia, recebe dezenas de turistas do Brasil e do mundo que visitam a região quilombola; porém, na maioria das vezes, voltam com lacunas no que diz respeito à história de Palmares. Isso não significa dizer que os “nativos” não estejam recepcionando bem; pelo contrário: significa dizer que precisam estar preparados. Não existe, até agora, nenhum incentivo voltado para essa questão histórico-turística.

Sobre questões de intolerância religiosa e depredação de patrimônio cultural, que foram supostamente acusados, abordaremos três situações que foram relacionadas diretamente e/ou indiretamente aos residentes do Parque: o lixo no acesso à Lagoa dos Negros, volume alto do som (home theater), e depredação de símbolo religioso (intolerância).

A primeira situação havia sido discutida em reunião do Comitê Gestor do Parque Memorial Quilombo dos Palmares, onde questões de infraestrutura ao Parque foram abordadas, uma vez que se pretende fomentar o turismo da região (turismo étnico-cultural). Porém, após a ocasião, percebeu-se exagero e distorções de informações sobre o lixo por parte de integrantes e, como de praxe, moradores foram cogitados - sem qualquer defesa - como "pessoas que não preservam o ambiente turístico, ao ponto de turistas reclamarem e, por causa disso, prejudicarem outras visitas". E a de que havia sido depredado um dos símbolos religioso-culturais, que fica no Parque. Porém, segundo informações de moradores e trabalhadores da Serra, associaram diretamente tal depredação aos residentes do local.

Como se percebe, ainda que não se demonstre diretamente, está havendo certo atrito no que diz respeito à religião e espaço. Alguns, que não têm ou tiveram conhecimentos verdadeiros da história, carregam consigo certa ideologia de que no Quilombo dos Palmares só havia um tipo de religião ou raça; porém a formação se deu por negros, índios e brancos. Sendo assim, todos foram livres para que escolhessem suas crenças e respeitassem quaisquer religiões existentes, até porque são descendentes da mesma nação: a dos quilombolas! Seja na Serra da Barriga ou em outro lugar. E aí ressaltamos a Constituição Brasileira, quando diz: “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.”

E, por fim, isolamento em participação. Em 2014, com o objetivo de gerenciar certas atividades culturais na Serra da Barriga, foi criado o Comitê Gestor do Parque Memorial Quilombo dos Palmares. Houve a integração de representes de alguns segmentos sociais e governamentais, como o religioso, o da capoeira, o dos grupos culturais e o do governo municipal; porém, nenhum residente no Parque foi convidado a fazer parte do Comitê, haja vista, Senhora Presidente, que os moradores são os mais interessados em contribuir diretamente na preservação do Parque.

Sem mais para o momento, renovam-se votos de elevada estima e distinta consideração

Atenciosamente,

Moradores da Serra da Barriga