Andrezinho, como é carinhosamente chamado por sua mãe Lidiane Barbosa, nasceu há 11 meses em um parto normal. A situação parece cotidiana, mas este tipo de parto é cada vez mais difícil em Alagoas e nos demais estados brasileiros. Dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) revelam que em 2013, 84,5% dos nascimentos na rede de saúde suplementar ocorreram por cesárea. Na rede pública, o número desse tipo de parto é de 40%. Com cerca de 18 mil partos realizados por ano, Maceió segue com proporção semelhante às demais cidades brasileiras em relação ao parto cesárea, com 80%, segundo informou o Conselho de Medicina de Alagoas. As novas regras, que estão em vigor desde o dia 6 de julho, há pouco mais de um mês, têm como principal objetivo estimular o parto normal e reduzir as cesarianas desnecessárias no Brasil.

Mãe do pequeno André, Lidiane, que é psicóloga e professora de psicologia na Universidade Federal de Alagoas (Ufal), diz que o parto normal foi opção sua. “Escolhi parto normal por acreditar no corpo da mulher. Na nossa capacidade de parir. Não acho que deveria ser um evento médico, a não ser por uma necessidade da mulher ou do bebê”, disse Barbosa.

Antes do parto? Cinco obstetras. A procura, segundo Lidiane, ocorreu porque muitos obstetras não demonstravam muito interesse em realizar o parto normal. “Ao todo, foram cinco obstetras. Como eu já sabia o que queria, a primeira coisa que eu perguntava era se o médico fazia o parto normal, mas a resposta era sempre evasiva. Alguns médicos também me diziam ‘depois nós vemos’. Para mim, essas respostas já me indicavam que eles não iriam fazer o parto normal. Só sosseguei quando encontrei um médico sugerido no grupo Roda Gestante, um grupo de mulheres mães/gestantes”, contou.

Como Lidiane optou por um médico particular e precisou custear uma porcentagem das despesas do hospital, o parto do seu bebê ficou em torno de R$ 3 mil. “Como eu queria um parto humanizado, e esse serviço não atendia pelo meu plano, eu optei por pagar o médico. Já em relação ao hospital, eu precisei pagar uma porcentagem dos custos do hospital porque meu plano é de co-participação e não cobre tudo”, explicou.

Assim como Lidiane, Maria (nome fictício), que terá o seu bebê daqui a poucas semanas, diz que vai precisar pagar R$ 2.800 para o médico que vai realizar o seu parto. O motivo? Maria prefere pagar a disponibilidade do médico que a acompanhou a ser atendida por um médico de plantão. “É um absurdo pagar este valor, até porque não estou em condições financeiras, principalmente, porque já pago caro pelo meu plano de saúde, inclusive com a taxa referente à obstetrícia. Mas mesmo assim decidimos pagar porque não confio em ir para as mãos de um médico de plantão. Seria como jogar na loteria e eu não colocaria a vida da minha filha na sorte”, disse Maria.

Na torcida por um parto normal, Maria disse que como sua bebê está sentada, acredita que seu parto será cesárea. “Minha bebê está sentada, daí, provavelmente, se ela não virar, será cesárea. Estou torcendo muito que ela encaixe, pois entendo o valor do parto normal para a mãe e o bebê, inclusive da amamentação. Vale à pena”, relatou, ao acrescentar que obteve pouca informação sobre as possibilidades das formas de parto.  “Minha médica pouco falou nas formas do parto por explicar que isso depende muito da situação que a gestante chega ao final da gravidez”, finalizou.

Sobre as novas regras da ANS e a polêmica das gestantes que afirmam que as regras ferem o direito de escolha da mulher, em relação ao tipo de parto, Lidiane diz concordar com as novas regras.

“Se as mulheres estivessem conhecedoras dos seus direitos, se sentissem donas dos seus corpos, conscientes de tudo que envolve os tipos de parto, se conhecessem a história da hospitalização da mulher e do parto, eu diria que deveria ser uma escolha da mulher. Por isso concordo com as novas regras. É preciso haver uma interferência punitiva para aqueles que descumprirem. É muito grave o que os médicos estão fazendo com nossos bebês. Um número altíssimo de bebês que vão para as UTIs neonatais porque nasceram de acordo com a agenda deles. E as mães cortadas, com várias sequelas de uma cirurgia desnecessária. Tudo em nome de um lucro que é conseguido a esse custo”, disse Lidiane Barbosa.

Segundo o presidente do Conselho Regional de Medicina de Alagoas (Cremal), Fernando Pedrosa, muitos médicos optam por partos cesáreos porque economizam cerca de 4 horas, além de maior ganho financeiro. “Um parto normal gasta uma média de seis horas, enquanto uma cesariana leva cerca de duas horas. Diante desta realidade e do valor ganho pelo médico, que atendem por planos de saúde, muitos profissionais optam pela cesariana. Hoje, um médico que realiza um parto pelo plano passa seis horas e ganha uma média de R$ 300, enquanto um parto particular varia entre R$ 2 e R$ 3 mil. Por esta razão, acredito que muitos médicos, mesmo em casos em que a gravidez não oferece riscos à mulher ou à criança, orientam a cesariana”, disse.

Outro aspecto apontado por Pedrosa diz respeito à saída de muitos médicos dos convênios para atender consultas ou partos particulares, devido à baixa remuneração paga aos médicos pelos planos de saúde. “Muitos médicos estão deixando de atender pacientes pelo plano e optando por trabalhar apenas com consultas particulares. Segundo estes profissionais, apesar de atender a um número menor de pacientes, eles ganham mais do que se estivessem atendendo aos pacientes pelo plano. E além do aspecto financeiro, tem a própria questão do desgaste físico”, disse.

Sobre esta realidade, o ministro da saúde, Arthur Chioro, afirmou considerar inadmissível que a indicação de um procedimento médico cirúrgico seja feito de acordo com a disponibilidade de tempo do médico ou a regulação econômica. “A medicina não é para isso. Não podemos aceitar isso como normal.” 

A favor do parto normal, Lidiane relembrou a emoção do parto. “O dia do nascimento do meu bebê foi o dia mais importante da minha vida até hoje. E o fato de eu ter participado ativamente fez dele mais especial ainda, pois quando ele nasceu, pude oferecer todo amor que vivemos no trabalho de parto e durante toda gestação, pois fisicamente estava muito bem! Em relação ao tipo de parto, uma mulher nunca vai deixar de ser mãe e amar seus filhos porque passou por uma cesárea. O fato é que uma mulher que passa pelo normal, dentre muitos benefícios, tem uma qualidade de contato com o bebê muito maior, falo pela estatística. Enfim, muitos são os motivos pra eu ser favorável às regras”, disse.

Muda-se o tipo de parto, mas o amor é o mesmo

Mãe da pequena Sophia, de 11 meses, a jornalista Adriana Madeiro teve um parto cesárea - não por escolha, mas por necessidade. “Desde o início da gravidez sempre quis seguir a natureza e deixar que o bebê escolhesse a hora de nascer, que viesse quando estivesse pronto, nunca quis agendar cesárea. E assim eu fiz, esperei o tempo dela. Entrei em trabalho de parto com 41 semanas, tentei o parto normal de todas as formas possíveis, primeiro de forma natural e depois com analgesia, sem sentir as dores das contrações, mas não teve jeito. Meu médico informou que ela não estava fazendo a rotação para poder descer. Então, chegou uma hora que não dava mais para esperar, foi quando tive que partir pra o parto cesáreo”, disse Adriana, ao acrescentar “a sorte” que teve em encontrar um médico que preza pelo parto normal.

A favor do parto normal, desde que não coloque em risco a vida da mãe e do bebê, Adriana lembra que em seu período gestacional, muitas pessoas ficavam chocadas ao saber que ela queria que seu parto fosse normal. “Era incrível a reação das pessoas quando contava que estava esperando um parto normal. A maioria ficava chocada com isso. Eu tinha consciência dos benefícios do parto normal. Mas claro que no caso do parto oferecer riscos à mãe e ao bebê, sou favorável à cesariana, pois o mais importante é a saúde e a vida”, disse.

Consciente dos benefícios do parto normal, Adriana diz que sempre procurou se informar sobre a gestação e o momento do parto. “Sempre procurei me informar. Um recurso que me ajudou muito a esclarecer sobre os benefícios do parto normal foi o grupo Roda Gestante, incentivador do parto normal e que se reúne periodicamente para abordar diversos temas sobre gravidez, parto humanizado etc. É importante que as pessoas se informem”, contou.

Com medo de arriscar um parto realizado por um médico plantonista, que não teria um conhecimento amplo sobre seu histórico na gestação, assim como Lidiane e Maria, que também pagará daqui a alguns dias, Adriana pagou a disponibilidade do médico, ou seja, um médico particular. “Eu tenho plano de saúde, mas paguei a disponibilidade do médico. Não quis arriscar pegar qualquer médico no plantão, que não conhecia o meu histórico. Meu parto foi realizado pelo médico que eu quis, um profissional que demonstrou cuidado em todos os momentos, com palavras de incentivo, de força. Eu cheguei às 6h na maternidade e meu parto foi realizado às 18h45, mas não me arrependo de nada. Se eu tiver um segundo filho vou esperar ter normal, até que o médico avalie como será”, disse Adriana.

Pelo mesmo motivo de Adriana, outras mães preferem pagar a disponibilidade do médico. Diante desta realidade, as operadoras de planos de saúde serão obrigadas a fornecer o Cartão da Gestante e a Carta de Informação à Gestante, no qual deverá constar o registro de todo o pré-natal. Com o Cartão da Gestante, qualquer profissional de saúde terá conhecimento de como se deu a gestação, a fim de melhorar o atendimento à mulher no momento que ela entrar em trabalho de parto.

Com o intuito de incentivar o parto normal, a ANS afirma que a cesariana, quando não tem indicação médica, ocasiona riscos desnecessários à saúde da mulher e do bebê: o parto prematuro aumenta em 120 vezes a probabilidade de problemas respiratórios para o recém-nascido e triplica o risco de morte da mãe. Cerca de 25% dos óbitos neonatais e 16% dos óbitos infantis no Brasil estão relacionados a prematuridade, informou a Agência.

Entenda as novas regras da ANS

- As operadoras de planos de saúde, sempre que solicitadas, deverão divulgar os percentuais de cirurgias cesáreas e de partos normais por estabelecimento de saúde e por médico.

- As operadoras de planos de saúde serão obrigadas a fornecer o Cartão da Gestante e a Carta de Informação à Gestante, no qual deverá constar o registro de todo o pré-natal.

- Os planos devem exigir que os obstetras utilizem o Partograma, documento gráfico onde é registrado tudo o que acontece durante o trabalho de parto. Nele devem constar informações, como se a mulher é diabética, tem hipertensão, que remédios está tomando, como estão as contrações, se há sofrimento fetal, se o parto não progride, entre outras. O Partograma passa a ser considerado parte integrante do processo para pagamento do procedimento, e somente será dispensado em casos especiais, como emergência (mesmo assim o profissional deverá fazer um relatório detalhado sobre o procedimento).

- As informações sobre as taxas de partos devem estar disponíveis no prazo máximo de 15 dias, contados a partir da data de solicitação. As operadoras que deixarem de prestar as informações solicitadas em cumprimento à Resolução Normativa pagarão multa de R$ 25 mil.

- Gestantes que quiserem um parto cesárea, poderão tê-lo. No entanto, para evitar problemas, a ANS planeja finalizar ainda neste mês, em parceria com entidades médicas, um termo de consentimento livre e esclarecido, que deve ser assinado pelas gestantes em relação à escolha do parto.

A ação visa impedir que médicos deixem de atender a quem quer o procedimento. "A paciente tem essa opção. É dada pela própria Constituição e no Código de Ética Médica, então não podemos excluir esse direito", diz a gerente de regulação assistencial da ANS, Raquel Lisbôa em entrevista ao Estadão.

Veja a seguir alguns relatos de mães sobre os seus partos. Os depoimentos abaixo foram coletados no grupo Roda Gestante de Alagoas.

Cesariana

"A sensação de não estar participando de nada.” (Débora Soares)

“O pós foi o cão. Muita dor ao urinar, não poder tossir, rir ou espirrar. Ajuda do marido para colocar até a calcinha.” (Daniele Mota de Oliveira)

Parto normal

“Sei que meu parto foi cheio de intervenções (…), mas foi normal como planejei e não fui cortada (…), quero ter outros filhos e dessa vez, vou me preparar melhor para ter meu PN humanizado.” (Daniela Belo: parto normal hospitalar/ 2 obstetras)

“Em nenhum momento eu pensei em desistir. Mesmo quando o pediatra estava me olhando assustado e dizendo "nossa, tá difícil", nem assim eu achei que ele não nasceria ali. Eu tinha certeza de que conseguiria. Por isso, pra quem quer um parto normal, meu maior conselho hoje é, informe-se e não desista, você consegue.” (Jacqueline Freire, parto normal hospitalar)

Parto humanizado – As mulheres abaixo definem este tipo de parto como “respeitoso, em que a mãe não sofre intervenções desnecessárias e dolorosas, tem consigo o acompanhante que desejar e lhe são oferecidos métodos de alívio da dor, sem episio, kristeller, amniotomia, ocitocina de rotina, litotomia”

“Fiquei muito satisfeita (...) tudo foi explicado antes, em nenhum momento me senti desamparada” (Andréia – parto normal hospitalar)

“Senti algo inexplicável nos braços do meu esposo... uma explosão de emoção partiu de dentro de mim... eu chorava como uma criança, e gritava de felicidade... eu dizia que eu era feliz, e agradecia a Deus por aquilo, que minha filha ia nascer... aquilo tomou conta de mim... e meu esposo a me abraçar e a chorar junto comigo, numa mesma sintonia” (Denise, cesárea intraparto)