Como o poder econômico cria suas próprias leis, a história do índio queimado vivo e a PEC 171
Há 18 anos, na madrugada de 20 de abril de 1997, cinco jovens de classe média em Brasília escolhiam uma forma inusitada e cruel de se divertir durante a madrugada, depois de uma festa com os amigos. Compraram gasolina e uma caixa de fósforos, atearam fogo em um índio que dormia em uma parada de ônibus na W3 Sul, avenida de um bairro nobre da capital federal, e fugiram.
O crime causou protestos em todo o país.
O índio pataxó Galdino Jesus dos Santos, de 44 anos, que estava na cidade para comemorar o Dia do Índio, acordou em chamas e horas depois morreu no hospital com 95% do corpo queimado. Os rapazes foram reconhecidos, presos e condenados a 14 anos de prisão, mas a lei brasileira garantiu que ficassem apenas oito anos na cadeia — e com direito a várias regalias.
Para justificar o crime bárbaro, os rapazes alegaram que acreditavam ser um mendigo e resolveram "brincar" com ele. Anos depois do crime que chocou o Brasil, uma onda de ataques a mendigos e moradores de rua se espalha por Brasília e também pelo País. Só neste ano, três mendigos foram atacados enquanto dormiam no Distrito Federal.
Dos cinco envolvidos no crime contra o índio Galdino, um deles era menor de idade na época e foi encaminhado para o centro de reabilitação juvenil do Distrito Federal. G.N.A. J ficou internado na unidade por três meses, mesmo tendo sido condenado a um ano de reclusão.
Pertencentes a famílias de grande poder aquisitivo e influência, desde a prisão os criminosos contaram com regalias a que nenhum outro preso comum tinha direito. Apesar das críticas efetuadas pela promotora Maria José Miranda, que acompanhou o processo nos primeiros cinco anos, os quatro criminosos detidos tinham direito a tomar banho quente e manter cortinas em suas celas, além de ficarem de posse da chave da própria cela. Por motivos desconhecidos, a promotora pediu afastamento do caso pouco tempo antes do julgamento.
Os outros quatro foram condenados, em 2001, a catorze anos de prisão em regime integralmente fechado por homicídio doloso. Pela gravidade do crime não teriam direito a determinados benefícios, mas, já no ano seguinte, receberam autorização para exercer funções administrativas em órgãos públicos. Três dos cinco rapazes chegaram a ser flagrados pela imprensa local se dirigindo em carro próprio até o presídio sem passar por qualquer tipo de revista, após namorar e ingerir bebida alcoólica em um bar.
Em agosto de 2004, foi concedido o livramento condicional aos quatro condenados. Esse benefício foi recepcionado pela opinião pública como um atestado do "caráter volúvel do Poder Judiciário frente à força político-econômica" e revoltou os familiares do índio assassinado. A mídia também noticiou a concessão do benefício, apesar de previsto em lei, como "certeza da impunidade" para um crime considerado hediondo pela legislação brasileira.
O local do crime foi rebatizado como Praça do Compromisso e, lá, foram colocadas duas esculturas relativas ao assassinato de Galdino: uma delas retrata uma pessoa em chamas e a outra representa uma pomba, o símbolo da paz.