“O negro vive um apartheid social no país em relação à representação parlamentar. Aquele mesmo modelo segregacionista que a gente criticava na África do Sul existe por aqui de forma clara”, critica o filósofo Alexandre Braga, diretor de comunicação da União dos Negros pela Igualdade (Unegro) e defensor de cotas raciais para as eleições legislativas. Pesquisas indicam que os negros e pardos até conseguem se candidatar em níveis próximos ao de sua representação na sociedade. Mas, esmagados por problemas como falta de espaço nos grandes partidos e de captação de recursos financeiros para bancar suas campanhas, acabam engolidos pelo atual modelo eleitoral, assim como as mulheres.

“Este país é plural, mas isso não se traduz em sua representação política, que não tem nada a ver com o povo brasileiro”, afirma a deputada estadual Leci Brandão (PCdoB-SP), reeleita para o seu segundo mandato. “Isso acontece porque o sistema político só favorece quem tem dinheiro. Quem não tem fica sem representatividade e suas pautas não são atendidas”, reforça. Além da sambista, apenas outros dois parlamentares se declaram negros entre os 94 deputados estaduais de São Paulo.

 

Racismo

A presença tímida de negros e pardos nos cargos eletivos contrasta com o seu predomínio nos mapas da exclusão social. Eles estão no topo do ranking das vítimas da violência urbana e do contingente da população de baixa renda e escolaridade. Presidente da Comissão da Igualdade Racial da Assembleia da Bahia, o deputado Bira Corôa (PT) acredita que os obstáculos para o negro avançar na política começam na educação e no emprego, cujos indicadores, em geral, são inferiores aos dos brancos. “Apesar das conquistas sociais com as cotas e a melhor distribuição de renda, a estruturação dos poderes ainda é racista”, critica o deputado estadual, que ficou na primeira suplência de sua coligação. Há apenas dois negros entre os 63 eleitos para o Legislativo baiano, estado que reúne a maior população preta do país.

Para o historiador e cientista político Antônio Marcelo Jackson, da Universidade Federal de Ouro Preto, o racismo brasileiro é mais “sofisticado” do que o praticado em países onde negros e brancos historicamente não se misturam. Para ele, teses racistas ainda do século 19, que associam o branco ao trabalho intelectual e o negro e o índio à força física e às emoções, ainda exercem influência sobre o imaginário do eleitor brasileiro. “Nosso tipo de racismo não é de segregação espacial, como nos Estados Unidos e na África do Sul. Ele transita por outras esferas, como quem está ou não no poder. A pessoa pode adorar um jogador ou cantor negro, mas jamais votar em negro para cargo político”, exemplifica.

Embranquecimento

Uma das principais referências do movimento negro no país, o frei franciscano David dos Santos entende que as urnas evidenciam a dificuldade de grande parte dos brasileiros em assumir sua negritude. Um problema que atinge, segundo ele, tanto parcela dos candidatos eleitos que se declaram brancos mesmo não o sendo, quanto os eleitores que não votam em candidatos negros por não se sentirem por eles representados. “Não culpo aqueles que não se assumem porque eles também são vítimas da sociedade que implantou em todos nós a ideologia do embranquecimento, que está impregnada na mente do povo negro”, afirma o religioso, presidente da ONG Educafro e ativista das cotas raciais.

Para David, a mudança dessa realidade está em curso com o número crescente de  jovens negros que saem formados das faculdades. Segundo ele, essa nova geração terá maiores condições de se fazer representar politicamente porque sabe da importância de reconhecer sua origem. “Hoje o negro não vota em negro porque não assume sua negritude. Quando crescer sua consciência vai balançar o poder branco. Quem não assume sua cor não tem condição de representar seu povo. A exclusão dos excluídos faz parte do jogo universal de manter que-brados os quebrados”, considera.

 

Fonte: http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/so-3-dos-eleitos-em-2014-se-declaram-negros/