Ciência Econômica, Economistas e Política

14/10/2014 21:00 - Fábio Guedes
Por Fábio Guedes Gomes
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Tem sido muito difícil escrever nesses últimos dias. O turbilhão de notícias, informações, análises e comentários envolvendo o pleito presidencial, toma muito tempo daqueles que se preocupam com a porta de casa para fora. Sou relativamente novo ainda, mas acompanhei e de muito perto as sete campanhas presidenciais na Nova República, nunca tinha experimentado tamanho acirramento político, ideológico e intelectual. Ainda mais potencializado pelas redes sociais, instrumento de comunicação e interação que há quatro anos, nas eleições de 2010, não existiam como hoje.

Entre os diversos e inúmeros debates, apimentados por ânimos exaltados que as vezes descambam para a violência verborrágica, com adjetivações desrespeitosas, encontram-se diversos espaços privilegiados de discussões. Neles assistimos um “animal bastante incomum”: economistas desfilando seus arsenais teóricos, racionais argumentos, escolásticos na maioria, escolhas políticas e ideologias, até mesmo sofismando.

Há quem acredite que a ciência econômica é regida por princípios de neutralidade, ou seja, seus métodos investigativos e os responsáveis por criá-los, aplicá-los ou simplesmente segui-los, estão completamente isentos de qualquer julgamento político, consideração moral ou escolha ideológica. Que, por essa razão, assim como os avanços, descobertas e contribuições nas áreas de física, química e matemática, na ciência econômica eles devem alcançar a universalidade na interpretação dos principais problemas sociais, sejam eles em qualquer lugar, sociedade ou país do mundo.

No entanto, sabemos que a ciência econômica faz parte do tronco comum das ciências sociais, que busca descrever, compreender, criticar e encaminhar soluções para os problemas de distintas sociedades que não podem ser manipuladas em laboratórios, alvos de experimentos e manipulação. Nesse sentido, seu objeto de estudo não envolve tão somente problemas econômicos, pois eles são diretamente influenciados por outras variáveis, geralmente políticas, sociais e poder.

Alguns indivíduos que fazem ciência econômica podem ter a pretensão de adotar uma posição de neutralidade diante dos fatos econômicos e avanços científicos nessa área. Mas não é isso que a experiência dos principais economistas dos séculos XIX e XX aponta. Para somente ficar naquele que é considerado o maior de todos no século passado, John Maynard Keynes, sabemos que sua atuação como grande autor e pensador econômico era inteiramente entrelaçada com sua posição política e ideológica; buscava nas suas ações práticas influenciar diretamente o rumo dos acontecimentos, através de sua influência, direta e indireta, nos homens que dirigiam nações e, por consequência, a política e a economia.

Keynes, por qualquer biografia que se tome como referência, era claramente um homem sofisticado, um vitoriano liberal, e não admitia outra alternativa à época que não fosse o desenvolvimento capitalista de forma administrada, com instituições que evitassem ou contivessem sua tendência inexorável à produzir incertezas.

A posição política de Keynes era cristalina e defendia aperfeiçoamentos no sistema. Basicamente era isso que o diferenciava dos demais filósofos e economistas que advogavam a absoluta e total liberdade de comportamento dos agentes econômicos, como exemplos o austríaco Friedrich August von Hayek e o norte-americano Milton Friedman.

Entretanto, o “posto de observador” de Keynes talvez fosse um pouco mais alto que seus contemporâneos citados logo acima, mas eles se encontravam do mesmo lado da trincheira ideológica e política. Exemplo mais emblemático disso foi o curto e substantivo elogio que o lorde economista britânico fez ao livro de Hayek, O Caminho da Servidão [1944], ensaio analisando, de forma vulgar, a via soviética de desenvolvimento. Diz Keynes com todas as letras pouco antes morrer, em carta de 1944:

Meu caro Hayek, trata-se, em minha opinião, de um grande livro. Todos nós temos razões de sobra para sermos gratos à você por exprimir tão bem tudo o que precisava ser dito. Estou, moral e filosoficamente falando, de acordo com o conteúdo integral desta obra. Não só de acordo, como de profundo e comovido acordo”.

Keynes não escondia, de forma alguma, sua antipatia pelo espírito capitalista “the love of Money”. Tampouco via na alternativa Soviética uma saída para a humanidade. É bastante conhecida a sua posição quando recusou entrar no Partido Trabalhista inglês:

Em primeiro lugar, porque é um partido de classe, e de uma classe que não é a minha. Se eu for defender interesses parciais, defenderei os meus. Quando chegar a luta de classes como tal, meu patriotismo como tal, meu patriotismo local e meu patriotismo pessoal estarão com meus afins. Eu posso estar influenciado pelo que estimo que é justiça e bom sentido. Mas a luta de classes me encontrará do lado da burguesia educada” [Ensaios: Profecia e Persuasão, seleção de textos escritos por ele na década de 1920].

A sumária discussão até aqui é somente para ilustrar que ciência econômica, economistas e política não são áreas compartimentalizada; estão enredadas por fortes laços ideológicos, posições de classe social e corporativas, linhas de formação profissional e científica, valores constituídos e cultura em geral absorvida.

Talvez a formação de um economista seja uma das mais complexas em termos acadêmicos e científicos dentro das ciências sociais e humanas, dificultando, inclusive, a atração e permanência de alunos nessa área. Por outro lado, a forte inversão do conteúdo formativo, quando o ensino mais instrumental, quantitativo e aplicado tornou-se um fim em si mesmo, diminuiu sensivelmente as interações, necessárias e imprescindíveis, com outros ramos da ciência. Esse movimento contribuí para uma preparação mais “autista” dos economistas, tirando-lhes importantes possibilidades para construção de uma visão mais alargada dos próprios processos econômicos e, também, sociais e políticos em geral. Mas isso não impede que esses “animais” cultos se posicionem e exponham seus interesses, de acordo com o tipo “binóculo” que usam e seu poder de aproximação.

No atual debate econômico brasileiro sobre as alternativas que o país deve trilhar em termos de desenvolvimento e gestão macroeconômica, com base em uma avaliação do passado e do que já foi percorrido, percebemos um forte alinhamento ideológico e envolvimento ativo dos economistas na discussão. Geralmente, esse alinhamento ocorre em razão da filiação teórica, outras vezes por causa dos interesses materiais e políticos que os movem, algumas por pura concepção ideológica e visão de mundo.

Agora que a disputa presidencial se afunilou, vemos claramente que os economistas assumem, objetivamente, suas escolhas políticas, vestem a camisa de seus candidatos e fazem campanha abertamente nos jornais, redes sociais, canais de televisão, revistas especializadas etc. Afinal, poder-se-ia dizer que são também humanos como quaisquer outros e têm o direito de escolha e opinião. Mas não são simples pessoas.

Pelo menos alguns mais proeminentes são responsáveis, direta ou indiretamente, pela administração econômica do país. Lideram a discussão e formulação de planos de desenvolvimento e crescimento econômico, conforme as linhas ideológicas e políticas adquiridas ao longo da formação; muitas vezes são responsáveis pela gestão e compromisso com estratégias planejadas e prioridades escolhidas, obedecendo, também, certa formação teórica, opção metodológica e experiência analítica e instrumental. Apesar de todo o avanço que alcançamos, as boas práticas econômicas sempre são escolhidas com bases em alguma linha filosófica, seus princípios e linhas de interpretação da realidade.

Uma maneira objetiva e simplista de conhecer por onde se movem os economistas é separá-los em campos opostos e binários: ortodoxos versus heterodoxos; de direita versus de esquerda; marxistas versus keynesianos; keynesianos versus neoliberais etc. Evidente que isso é válido parcialmente, mas nessa corrida presidencial de 2014 percebemos uma linha demarcatória muita clara entre os especialistas da “ciência triste”. Inclusive com a formação de manifestos de apoio e tudo mais, buscando marcar os territórios onde cada grupo se filia.

Por exemplo, na linha mais próxima ao presidenciável Aécio Neves, vemos pessoas como Armínio Fraga, Mansueto Almeida, Samuel Pessoa, José Roberto Mendonça de Barros, Edmar Bacha, Gustavo Franco, Elena Landau, Eliana Cardoso etc.

No outro lado da trincheira, com a Presidente Dilma, estão Luiz Gonzaga Belluzzo, Nelson Barbosa, Marcio Pochmann, Ricardo Carneiro, Luciano Coutinho, Jorge Mattoso, Fernando Nogueira da Costa, José Carlos de Assis, Pedro Paulo Zahluth Bastos, Bresser Pereira e Alexandre Tombini etc.

Lógico que essas duas listas são bem maiores, e não significa que todos têm relação direta, de trabalho, com os candidatos. Mas os apoiam sem cerimônias. No debate entre, por exemplo, o atual Ministro da Fazenda, Guido Mantega, e Armínio Fraga, já eleito por Aécio para o cargo, caso também seja vitorioso, percebemos como são diametralmente opostas as linhas de raciocínio e interpretação dos problemas econômicos, seus encaminhamentos e linhas doutrinárias. Não poderia ser diferente nessa altura do “campeonato” [ver vídeo do debate aqui].

Difícil encontrar muitas discordâncias [quase não há] nas áreas mais duras do conhecimento, como a física. Sobre a Teoria da Relatividade criada pelo físico Albert Einstein, existe “quase” um consenso; na Teoria Quântica do físico alemão Werner Heisenberg, os princípios são tão sólidos quanto a muralha da China. Mas sobre as causas da inflação, sobre o emprego, investimentos, riqueza etc., as interpretações são as mais diversas na galáctica ciência econômica, apesar de uma parcela majoritária dos que dominam essa área querer impor uma única visão de mundo sobre esses fenômenos.

Enfim, gosto de duas anedotas sobre os economistas, que ilustram o que falamos até aqui

1] A Primeira Lei dos Economistas: para cada economista, existe um economista igual e oposto. A Segunda Lei dos Economistas: ambos estão errados

2] Economia é o único campo no qual duas pessoas podem dividir um Prêmio Nobel, dizendo coisas opostas [tal como Gunnar Myrdal e Friedrich Hayek, que dividiram a homenagem em 1974].

Portanto, existem economistas e...economistas!! 

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