Uma carta pra Elizabeth.

 

Estou na Rocinha editando na Tv Tagarela, um dos lugares onde me sinta mais em casa e protegida. Não sei se a família do pedreiro Amarildo pensa assim. É por isso que neste 1 ano de seu assassinato eu quero escrever não sobre ele, mas sua esposa, Elizabeth.

 

Temo por uma tragédia presente: a condenação em vida desta mulher devido ao nosso conservadorismo vulgar. Quais são as acusações? Uso de drogas ilícitas, some e deixa os filhos sozinhos e ainda dizem que está namorando. Mas pra mim, a verdadeira acusação é de traição.

 

Mas quem ou o quê Elizabeth traiu? Ela traiu o nosso conservadorismo. Ao invés de se agarrar na imagem de uma sofredora cândida, essa mulher escolhe seguir seus vícios. Eu, que também tenho os meus, sei muito bem o que é agarrar neles como alternativa a este mundo que insiste em nos encaixar em uma única forma de viver.

 

No mais, que viúva é essa que não tem nem o direito de velar o corpo de seu marido. Cadê? Onde está? O que aconteceu? Se esta questão me atormenta, o que dizer de Elizabeth que além de viver em luto ainda convive com o título “a mulher do Amarildo” como uma sombra que nunca mais deixará de segui-la.

 

Meu pai é pedreiro e mora na Rocinha, segundo ele não tem lugar melhor, mas assim como o Amarildo podia ser meu pai, Elizabeth poderia ser eu, e hoje, certamente, eu estaria vivendo sem paz, sem conseguir tomar uma cerveja pra esquecer, vitima dos olhares acusadores da boa sociedade.

 

Quem condena em vida Elizabeth condena todas nós, mulheres que vivemos a espreito da próxima acusação: a de ter provocado o abuso com a roupa curta, de ter respondido o marido/irmão/pai/filho e apanhado por isso ou mesmo, de ser condenada à imoralidade por outras mulheres: quem respeita uma mulher que vive na rua bebendo, transando, vivendo …

A família de Amarildo não foi destruída pelas drogas, imoralidade ou falta de “respeito”. mas sim por seu assassinato, só que agora, muitos usam a imagem e corpo de Elizabeth pra justificarem a falta de crença no mundo. Batem no peito com orgulho e dizem “não tem jeito mesmo”, não adianta lutar.

 

Pra você Elizabeth, meu carinho e meu abraço. Só nos resta suportar e seguir. Como uma entidade certa vez me disse “a terra é redonda e é feita pra girar”. Aguente, espere um pouco. Seguirei com você.

Amarildo. Presente.

 

Por Fabiana Melo Souza

Fonte: https://mamapress.wordpress.com/2014/07/15/uma-carta-pra-elizabeth-amarildo/