O Mal-Estar Alagoano

25/04/2014 06:00 - Fábio Guedes
Por Fábio Guedes Gomes
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Anteontem, dia 24/04, foi dia de festa para uma parte da população alagoana, principalmente a torcida regateana. Vencer a poderosa equipe do São Paulo, tricampeã mundial de interclubes, de virada, no estádio do Rei Pelé, não é comum. Principalmente quando comparamos as duas folhas de pagamento. Realmente, foi uma proeza de encher os olhos. O time do CRB jogou de igual para igual na primeira etapa, dominou o jogo no segundo tempo, com direito a gritos de “olé” de sua animada e festiva torcida. Poderia ter aplicado um 4 a 1 se não fosse a falta de maior competência do ataque.

A vitória do Galo da Pajuçara sobre o time paulista certamente entrará para os anais do clube. Quem teve a oportunidade de assistir à partida não vai esquecê-la jamais. Ainda falta o jogo de volta na capital da garoa, dia 07 de maio. Certamente, a equipe vai muito mais confiante para o segundo confronto, numa situação completamente distinta.

Algo muito semelhante aconteceu em 2009, quando o CSA empatou com o Santos de Neymar [presenciei ao vivo esse jogo no estádio] e decidiu sua curta permanência na Copa do Brasil desse ano, derrotando o bicampeão mundial de interclubes por 1 a 0, em plena Vila Belmiro.

Ainda, vale lembrar da histórica campanha do ASA de Arapiraca na copa do Brasil de 2002, desclassificando o poderosíssimo Palmeiras, dirigido por Vanderlei Luxemburgo, em pleno Pacaembu. Depois de vencer em casa por 1 a 0 e mesmo perdendo em São Paulo, por 2 a 1, o gol fora de casa deu vantagem ao ASA de continuar no campeonato daquele ano.

Mas, qual razão iniciarmos um post dedicado à temas na área de economia comentando futebol? A resposta é relativamente simples. O que foi visto no dia 23/04 no estádio da capital alagoana, na partida entre CRB e São Paulo, foi um espasmo de alegria e sentimento de orgulho que tem sido muito raro pelas terras caetés.

Nos últimos anos, infelizmente, o cidadão comum do estado tem enfrentado problemas de toda ordem. Não é difícil perceber que, na maioria do tempo, o alagoano apresenta uma autoestima baixa e abalada. Um certo mal-estar social predomina, em meio as frequentes notícias de violência, descaso na saúde, educação e falência de certas instituições públicas.

Quando falamos em mal-estar nos vem à lembrança um antigo texto do pai da psicanálise, Sigmund Freud. Às vésperas do grande crash na bolsa de valores de Nova York, em 1929, inaugurando um sombrio período para a economia capitalista, Freud escreveu o ensaio intitulado O mal-estar na civilização, lançando-o ano seguinte [clique aqui].

Sumariamente, sua tese fundamental é que a civilização [ou cultura comunitária], tolhe as liberdades e soberania dos indivíduos. Ao mesmo tempo em que a vida na sociedade organizada protege os homens de suas inclinações naturais, tendências destrutivas e antissociais, ela impõe limitações severas aos comportamentos pulsionais, como a sexualidade, por exemplo.

Para o autor austríaco, existe uma forte relação conflituosa entre civilização e liberdades individuais. Algumas delas quando reprimidas e sua energia canalizada para outras ações humanas, provocam dissabores à vida humana e doenças psíquicas. Por exemplo, a repressão e alteração artificial dos instintos sexuais é uma prática na civilização como forma de conter a agressividade humana. E, nesse caso, Freud é bastante crítico a essa convenção pois ela é responsável pela repressão às liberdades sexuais como fonte de prazer, diminuindo sensivelmente a busca pela plena felicidade.

Mais recentemente, o economista e banqueiro André Lara Resende, um dos pais do Plano Real e integrante da Casa das Garças [confraria liberal luxuosamente instalada no bairro da Gávea, no Rio de Janeiro], escreveu um curto ensaio intitulado O mal-estar contemporâneo [Revista Política Democrática, Ano XII, N°36, 2013. Clique aqui para a versão on-line]. Discute-se nele as razões para as mobilizações sociais que aconteceram em junho de 2013.

Para o economista carioca, existe um anacronismo em nosso modelo de Estado brasileiro e as novas demandas da sociedade moderna. Reconhece que, nas últimas duas décadas, aconteceram importantes avanços na economia e sociedade brasileira, inclusive na redução das desigualdades de renda e ampliação de direitos sociais.

Entretanto, esses avanços contrastam com a crise de representatividade, a retomada do que ele chama de uma retrógrada estratégia nacional-desenvolvimentista e as novas demandas da sociedade, que não são atendidas pela captura de quase um quarto da renda nacional em impostos e não aplicados de maneira eficiente em áreas públicas prioritária. Bem, em que pese nossas discordâncias com o autor, é preciso reconhecer que, realmente, existe algo mais preocupante em nosso subdesenvolvimento estrutural.

Em 2006, publicamos na Revista de Administração Pública, da Fundação Getúlio Vargas-Rio de Janeiro, o artigo Conflito social e Welfare State: Estado e desenvolvimento social no Brasil [clique aqui], onde definimos Estado de Bem-Estar Social [Welfare State], “como um conjunto de serviços e benefícios sociais de alcance universal, promovidos pelo Estado com a finalidade de garantir uma certa “harmonia” entre o avanço das forças de mercado e uma relativa estabilidade social, suprindo a sociedade de benefícios sociais que significam segurança aos indivíduos para manterem um mínimo de base material e níveis de padrão de vida para que possam enfrentar os efeitos deletérios de uma estrutura de produção capitalista desenvolvida e excludente” [pg. 203]. Evidentemente que uma parte desse conjunto de serviços e benefícios é de responsabilidade, no Brasil, do governo Federal. A outra é de competência de estados e municípios.

De posse dessa conceituação, muito nos preocupa quando o então governador de Alagoas justificou sua desistência à corrida eleitoral para o senado da República, afirmando estar insatisfeito com os resultados da gestão em áreas como saúde, educação e segurança, como divulgado pelo Jornal Folha de São Paulo, em 5 de abril de 2014 [clique aqui]. Talvez seja a primeira vez, nessa altura do campeonato, que o chefe do executivo reconheça que nessas áreas prioritárias e fundamentais ao bem-estar social alagoano, sua gestão tenha realmente fracassado.

No caso da segurança pública, os níveis de violência são tão explícitos e alarmantes que salta aos olhos do cidadão comum a situação de caos e calamidade social, principalmente nas periferias das principais cidades do estado. Mesmo o discurso oficial argumentando que o consumo de drogas e o tráfico têm sua parcela de contribuição, essas não são as únicas razões, como discutimos em texto já publicado nesse espaço anteriormente [clique aqui] e republicado, em versão mais elaborada, no Caderno Campus, do Jornal O Dia [clique aqui]. Agora, o então candidato oficial tenta desmentir sérios Institutos de pesquisas internacionais que apontam Maceió como uma das cidades mais violentas do mundo [clique aqui]. Infelizmente, em seu discurso, não apresenta um só dado ou estatística em contrário ou argumento mais inteligente.

Polêmicas à parte, o que realmente se constata das áreas de educação, saúde e segurança pública no estado é uma situação de mal-estar social que incomoda, profundamente, a maior parte da população alagoana. Essas condições limitam, consideravelmente, outras liberdades individuais e oportunidades sociais em Alagoas. Limitações essas diferentes da apontada pelo pai da psicanálise; limitações impostas pelas ineficientes, mal traçadas e inexistentes políticas públicas para o estado. Sequer contamos com um Plano Estadual de Segurança Pública.

Portanto, o mal-estar alagoano é observado pelo esgarçamento do tecido social causado pelos elevados de índices de violência, o comprometimento do futuro das crianças e jovens pela precária estrutura de educação, em razão do loteamento do Estado e uma trágica gestão nessa área, e uma política pública de saúde insuficiente, não somente por problemas que afligem o sistema como um todo, mas pela falta de maior empenho e criatividade na área.   

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