A Injustiça Tributária Brasileira

11/04/2014 06:00 - Fábio Guedes
Por Fábio Guedes Gomes
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A carga tributária no Brasil não tem sido a preocupação central do grosso da população. Geralmente, quem se preocupa com esse tema são empresários, formadores de opinião, profissionais liberais e acadêmicos. Ou seja, uma parcela muito pequena de nossa sociedade. Quase sempre, dentro desse ambiente, com exceção de muito poucos, a discussão é enviesada, incorretamente abordada ou ideologicamente tratada.

Uma questão é verdadeira. A comparação entre a oferta dos serviços públicos comparativamente a nossa carga tributária deixa muitos em posição de severas críticas. É importante lembrar que após a Constituição de 1988 definiram-se, claramente, as competências tributárias e responsabilidades públicas. No campo dos direitos avançamos muito, já no campo dos deveres falta muito para que esse condomínio chamado Brasil se estruture de maneira mais equânime.

Metaforicamente, quando moramos em condomínio pagamos a taxa condominial para manter as despesas, manter segurança e preservar as áreas comuns, por exemplo. Ao mesmo tempo, o documento regimental estabelece os direitos dos moradores e seus deveres. Uma questão chama atenção, por exemplo, todos os moradores são obrigados a pagar a taxa do condomínio e arcar com outras despesas definidas em assembleias. Se um, dois ou três moradores suspendem os pagamentos, é claro que as despesas vão pesar nos demais “contribuintes” da comunidade habitacional.

É claro que deve-se fazer muitas mediações entre o exemplo de um condomínio residencial e uma nação regida por uma Constituição. Mas o exemplo nos é útil para ilustrar o argumento que a carga tributária no Brasil é muito injusta e seu elevado nível em relação ao PIB, deve-se a falta de uma adequada e melhor distribuição daquela carga. Certamente, se os deveres tributários para com esse “condomínio” fossem ampliados, teríamos uma menor carga tributária e o nosso sistema econômico seria muito menos oneroso e mais competitivo.

No quadro abaixo apresentamos a evolução da carga tributária bruta [excluindo as transferências públicas e subsídios governamental] e verificamos que desde a estratégia de estabilização macroeconômica, a participação do governo na cobrança de impostos cresceu. Entre 1994 e 2002, na gestão de Fernando Henrique Cardoso, ela cresceu 30% em comparação ao nível de 1993. No período Lula avançou 4% em relação ao último ano da gestão anterior [2002] e no governo Dilma expandiu mais 8% em comparação ao ano de 2009. Portanto, no acumulado entre 1993 e 2013, a Carga Tributária Bruta [CTB] no Brasil subiu 45%, com destaque para sua evolução na gestão tucana.

Com base nos últimos dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico [OCDE], percebemos que, em 2012, na média a carga tributária bruta como percentual do PIB foi de 35,5%, tendo Dinamarca com a maior CTB [48%] e o Chile a menor [20,8%]. O Brasil nesse quesito ficou com um pouco acima da média, com 36,4% no mesmo ano. Costuma-se dizer que o brasileiro trabalha quase um quarto do ano para se pagar impostos sem os retornos necessários na forma de serviços públicos.

Entretanto, em instigante artigo publicado recentemente, Francisco Lopes, sucessor de Gustavo Franco na presidência do Banco Central, na gestão tucana, em 1999, defendeu um argumento bastante importante. Quando descontamos da Carga Tributária Bruta as transferências obrigatórias [seguro-desemprego, aposentadorias e pensões, programas de assistência social] e subsídios [agrícolas, industriais, habitacional etc.] a carga tributária cai para 19%, em média, no período 2005 e 2009. Ainda, quando se excluem os juros da dívida pública, a carga de tributos cai para apenas 14% do PIB. Assim, a chamada Carga Tributária Líquida [CTL = CTB-Transferências+Subsídios] é também um conceito adequado para se medir a nossa carga fiscal no sistema econômico. É muito equivocado imaginar que tudo que o Estado arrecada fica exclusivamente para financiar suas despesas.

O estudo de Lopes intitulado On high interest rates in Brazil [clique aqui para acesso], demonstra, portanto, que nossa carga tributária além de não ser alta, existe um equívoco no discurso e argumentos de que os recursos arrecadados não retornam a sociedade como deveriam. A questão é justamente a existência de um conflito distributivo, principalmente entre rentistas [aqueles que vivem de juros da dívida pública], as políticas sociais e os agentes econômicos subsidiados [setores da indústria, agronegócio etc.]. Portanto, a questão é política e nesse jogo ganha que tem maior poder de barganha e influência [conferir pág. 7 do referido artigo].

Entretanto, apesar dessa constatação do trabalho de Lopes, ninguém discorda que o nossa estrutura tributária é complexa, burocrática e atrapalha mais que ajuda a iniciativa empresarial.

Por outro lado, apesar de reconhecer que a CTB não é alta quando levamos em conta as transferências sociais e voluntárias [digamos], é preciso esclarecer que ela é injusta porque sua distribuição não integra importantes setores da economia e determinados agentes em termos de deveres fiscais.

Conforme o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil, 52% do total de impostos que pagamos são cobrados no ato de consumo [ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins], 28% sobre a renda e 20% outras formas de cobrança. Para os países que compõem a OCDE, a carga tributária está distribuída em 33% sobre o consumo, 33% a partir da renda e 34% outras formas de arrecadação. Essa simples divisão já demonstra, em geral, nossa injustiça tributária. Quem paga mais impostos no país são aqueles que mais gastam em proporção da renda com bens de consumo, pois o peso dos impostos é muito maior sobre os mesmos.

A distorção está justamente em concentrar nossos esforços de arrecadação sobre consumo. Em relação ao imposto sobre a renda, sabemos que as alíquotas acabam penalizado as faixas de renda médias e baixas. Por outro lado, a defasagem na tabela do imposto de renda penaliza as famílias de renda média que têm que arcar com uma série de despesas que pesam, sobremaneira, no seu orçamento. Quanto menor a renda mais se gasta em consumo, por consequência, mais em impostos proporcionalmente a renda.

Enquanto isso, as famílias ricas no país por terem, geralmente, folgas orçamentária não sofrem tanto essa defasagem. Além disso, elas possuem outras fontes de renda que escapam a tributação, como a isenção de imposto de renda sobre a distribuição de lucros e dividendos. A alíquota máxima do Imposto de renda no Brasil é de 27,5%, enquanto nos EUA alcança 55,9%.  

Ainda, ao contrário de outros países com carga tributária mais baixa, no Brasil não contamos com o imposto sobre grandes fortunas [IGF] e sobre os juros do capital próprio. O projeto do IGF se encontra paralisado há anos no Congresso. Ele foi estabelecido na Constituição de 1988 como de competência da União, mas demanda lei complementar para sua implementação.

O Imposto Territorial Rural [ITR] em um país das dimensões continentais como o nosso e grande concentração de terra, correspondeu apenas a 0,04% da arrecadação total de impostos em 2011. O imposto sobre herança, o chamado Imposto de Transmissão de Causa Mortis e Doações [ITCD], significou apenas 0,2% da receita fiscal total, em 2010. Nos EUA, a alíquota sobre herança alcança até 50% e estimula a meritocracia e combate a produção de gerações ricas, mas insolentes e ociosas.  

As distorções e resistências em atualizar os valores do IPTU, adequando as condições atuais de valorização e desvalorização dos espaços urbanos e tipos de construção, também é outro elemento de perda de capacidade arrecadatória. Por sua vez, não se cobra IPVA sobre embarcações e aeronaves, mesmo considerando que possuímos a segunda maior frota de helicópteros e aeronaves executivas do mundo.

Somente para efeito de comparação enquanto os impostos sobre o patrimônio no Brasil não passa de 1% do PIB, conforme dados da OCDE para 2012, na Itália e Japão é de 2,7%, Coréia do Sul 2,8%, EUA 3%, Canadá 3,3%, França 3,9%

Resultado, como a carga fiscal é mal distribuída no Brasil e parcelas importantes das famílias com alto padrão de riqueza contribuem muito pouco, sem comentar na sonegação fiscal, nossa arrecadação fiscal per capita é uma das menores do mundo, conforme o quadro a seguir demonstra. Por exemplo, apesar dos EUA terem uma Carga Tributária Bruta que corresponde a 24,3% do seu PIB, a receita fiscal per capita é de R$ 1.988. Enquanto isso, no Brasil nossa CTB é de 36,4% do PIB, mas a receita per capita é de apenas R$ 657.

 

Não obstante, em termos absolutos, a arrecadação fiscal total dos EUA ser maior que a nossa, isso não influencia em sua distribuição per capita de maneira considerável. O resultado acima e visualizado no gráfico, demonstra que no hemisfério norte muitos pagam impostos e seu peso sobre as grandes rendas, riquezas e patrimônios é alto. Por isso eles têm uma Carga Tributária Bruta [CTB] baixa e uma receita fiscal total per capita elevada.

No Brasil ao contrário, a maioria da população onde incide a carga fiscal é de renda média para baixa. Por isso uma receita fiscal total per capita baixa e uma carga tributária bruta elevada em relação ao PIB do país. O ônus fiscal, portanto, é elevado para compensar a ausência das classes ricas e das grandes empresas, além da sonegação fiscal que é elevada. Famílias pobres, da classe média e pequenos e médios empresários no Brasil sabem perfeitamente que não se consegue escapar, facilmente, do fisco.

Certamente, se mais contribuintes fossem integrados ao sistema e os tributos e impostos sobre o patrimônio [riqueza], renda e ganhos de capital fossem elevados teríamos condições de elevar a receita fiscal per capita com diminuição da carga tributária bruta. Portanto, em um “condomínio” onde a base tributária não é alargada, a maioria da população brasileira tem que arcar com o ônus fiscal, principalmente os mais pobres, classes médias e os pequenos e médios empresários.

 

Material para consulta

LOPES, Francisco Lafaiete. On high interest rates in Brazil. Revista de Economia Política, vol. 34, n. 1/134, jan./mar. 2014, pp. 3-14. [Clique aqui]

CAMPOS, Fábio Galizia Ribeiro de. IPVA: ampliar a base de incidência para maior justiça tributária. Revista Tributação em Revista, ano 19, vol. 64, jan./jun. 2013, pp. 18-23. [Clique aqui]

MAIA, Samantha. Quem alimenta o Leão. Revista Carta Capital, ano XX, n. 786, 12. fev. 2014. 

ALLEGRINI, Gabriela. Pobre é quem paga a conta. Revista Caros Amigos, ano XVII, n. 203, 2013.

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