A Insustentabilidade do Crescimento Econômico

28/03/2014 06:00 - Fábio Guedes
Por Fábio Guedes Gomes
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Dois marcos históricos foram importantes na formação do chamamos de sociedade moderna: a revolução francesa e a revolução industrial. Ambas ocorridas entre final segunda metade do século XVIII e início do século XIX. Elas abriram as portas do novo mundo, sepultando, gradativamente, a velha sociedade europeia de base feudal-medieval e organização predominantemente rural.

Tanto a filosofia política quanto a economia política [essa nascida das entranhas da primeira], colocou no centro das teorias conceitos e princípios que moldaram o ideal de funcionamento social e econômico.

Primeiro, as liberdades humanas, a soberania do homem sobre seu próprio destino. Razão contrária à subordinação do indivíduo aos poderes constituídos pelas monarquias europeias, endossadas pelo clero religioso, e mantidos a ferro e a fogo.

Segundo, o trabalho como atividade fundante da riqueza e criação de valor, em contraposição à servilidade feudal e ao injusto sistema de repartição dos frutos do trabalho com aqueles que não trabalhavam e exerciam o poder absoluto, como os proprietários de terras, senhores feudais e, principalmente, monarcas.

Terceiro, a propriedade como um prêmio aos esforços do ser humano em realizar tarefas, ações e transformação da natureza em algo de utilidade e possuído de valor para a troca.

John Locke, filósofo iluminista e liberal inglês do século XVIII, tem uma passagem sublimar no seu Segundo Tratado sobre o Governo sobre esses princípios:

Ainda que a terra e todas as criaturas inferiores pertençam em comum a todos os homens, cada um guarda a propriedade de sua própria pessoa; sobre esta ninguém tem qualquer direito, exceto ela. Podemos dizer que o trabalho de seu corpo e a obra produzida por suas mãos são propriedade sua. Sempre que ele tira um objeto do estado em que a natureza o colocou e deixou, mistura nisso o seu trabalho e a isso acrescenta algo que lhe pertence, por isso tornando sua propriedade. Ao remover este objeto do estado comum em que a natureza o colocou, através do seu trabalho adiciona-lhe algo que excluiu o direito comum dos outros homens. Sendo este trabalho uma propriedade inquestionável do trabalhador, nenhum homem, exceto ele, pode ter o direito ao que o trabalho acrescentou, pelo menos quando o que resta é suficiente aos outros, em quantidade e qualidade.

De John Locke a Adam Smith, passando por outros filósofos como Bernard de Mandeville, William Petty, David Hume, Montesquieu e até Benjamim Franklin, todos eles reforçaram esses princípios com suas reflexões, os quais serviram de bases para boa parte das Cartas Magnas que regem as constituições das nações do mundo ocidental.

A ideia de crescimento econômico se cristalizou como um processo linear de expansão das forças produtivas, turbinada por mudanças nos paradigmas tecnológicos. Para se alcançar o bem-estar social era preciso, inexoravelmente, aumentar a renda e riqueza dentro do sistema. Isso se tornou um poderoso axioma.

Entretanto, esse processo de expansão não ocorre no vácuo. Para seu start é preciso certo nível suficiente de acumulação de capital, ou seja, estoque de riquezas, materiais e financeiras alcançados em longos períodos de funcionamento da organização econômica.

Mesmo reconhecendo que esse processo teve a influência direta dos Estados nacionais, ainda resiste no pensamento econômico neoclássico e liberal, a ideia que o crescimento e desenvolvimento das forças sociais e econômicas aconteceram espontaneamente, como num passe de mágica, onde os participantes mais aptos da sociedade escolheram, livremente, o que bem quisesse fazer, produzir e comercializar.

A economia neoclássica, a partir dos anos 1950, com o modelo de Solow-Swan, defende que o crescimento econômico depende de variáveis de curto e longo prazo, se garantidas às liberdades de iniciativa. No curto prazo, os níveis de poupança e investimento são fundamentais, dada certa quantidade de capital, mão de obra adequada e nível tecnológico existente - fatores acumulados ao longo do tempo. Entretanto, no longo prazo, o crescimento econômico só pode ser alcançado, com efeitos na elevação da renda per capita, com o progresso tecnológico, principal responsável pela elevação da produtividade do sistema.

Com base nessa formulação, a economia neoclássica advoga que os países atrasados deveriam realizar um esforço de elevação dos níveis de poupança e qualidade da educação para acelerar o processo de crescimento econômico. Enquanto isso as economias avançadas, por já terem resolvido esses dois problemas, precisam avançar no progresso tecnológico para continuarem crescendo e elevando a renda per capita.

As mudanças estruturais proporcionadas pelo crescimento econômico naquelas bases alteram o perfil da demanda e impõe novos padrões de consumo e seu aumento. Então, se desde a instauração da sociedade moderna a preocupação com o bem-estar social está correlacionada com o necessário aumento dos níveis de renda e riqueza, a elevação do consumo seria, ao mesmo tempo, o meio de se alcançar a felicidade e o coroamento do progresso.

Assim, perseguir o crescimento econômico passou a ser uma estratégia inquestionável entre todas as nações e povos inseridos na sociedade e economias capitalistas. Um verdadeiro dogma na ciência econômica contemporânea

Entretanto, eis que surgem teses, teorias e argumentos que aumentam cada vez mais o poder de questionamento dos limites e necessidades do crescimento econômico ad infinitum, tanto de correntes econômicas conservadoras quanto progressistas. No campo progressista de linhagem marxista, por exemplo, autores como Alan Lipietz [um dos principais teóricos da Escola da Regulação], James O’Connor e John B. Foster, desde os anos 1980, passaram a se dedicar e refletir sobre as impossibilidades de continuidade do processo de avanço das forças de produtivas e acumulação de capital, diante da incapacidade de renovação, na mesma velocidade de acumulação, dos recursos naturais e sua transformação em mercadorias. Alan Lipietz, por exemplo, chegou a ser representante do Partido Verde no Parlamento Europeu entre 1999 e 2001.

O próprio Celso Furtado já apontava, no início da década de 1970, em seu formidável ensaio O Mito do Desenvolvimento Econômico [Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974], para a impossibilidade de reprodução global do modelo de desenvolvimento alcançado pelas economias centrais sem pressionar, fortemente, a exploração dos recursos naturais aos limites da própria destruição.

Muito recentemente terminei de ler o livro Os Limites do Possível: a economia além da conjuntura [São Paulo: Portfolio-Penguim, 2013], de André Lara Resende, banqueiro, ex-professor de Economia da PUC-Rio, doutor pelo MIT [EUA] e um dos principais formuladores do Plano Real. Estava interessado em sua abordagem macroeconômica, principalmente após o Plano Real, e suas críticas à política econômica mais recente.

Lara Resende expõe artigos publicados ao longo dos anos de 2011, 2012 e 2013, publicados no Jornal o Valor Econômico, Revista Piauí e apresentados e discutidos na Casa das Garças, reduto de pensadores liberais do campo econômico e político, luxuosamente instalada no bairro da Gávea, na cidade do Rio de Janeiro.

No entanto, diferentemente de minhas intenções iniciais, chamou-me atenção três artigos, todos publicados no Jornal o Valor Econômico: O desafio de nosso tempo [no original com o título Desigualdade e bem-estar], Os rumos do capitalismo e Além da conjuntura. O tronco comum entre eles, na minha compreensão, trata-se das impossibilidades do sistema econômico continuar crescendo, reproduzindo ampliando os padrões de consumo atuais, sem alterar profundamente o funcionamento da biosfera. Taxativamente ele coloca: “A noção de que o crescimento dos últimos séculos poderia ser extrapolado a perder de vista é um exercício de futurologia tosca que foi incorporado ao nosso imaginário” [p. 104].

Conclusão: para não esgotar a capacidade de sobrevivência humana na terra e conservar os princípios de uma ordem liberal, como posto no início desse artigo, é preciso se adaptar a uma nova etapa civilizatória sem ou com baixo nível de crescimento econômico. O crescimento econômico como motor do progresso e da melhoria do padrão de vida não se evidencia mais, pois a reprodução dos padrões de consumo nesse contexto está, ao contrário, diminuindo o bem estar. Os sinais de tudo isso é a deterioração da camada de ozônio, a extinção de várias espécies animais, a crescentes dificuldades de mobilidade urbana, a deterioração de solos, a escassez crescente de água para consumo humano etc.

Para basear seus argumentos Lara Resende recorre aos estudos do economista norte-americano Robert J. Gordon, principalmente Is U.S. Economic Growth Over? Faltering Innovation Confronts the Six Headwinds, publicado em 2012 no National Bureau of Economic Research [clique aqui]. Esse excelente texto de Gordon defende a tese que até meados no terceiro quarto do século XX, o elevado crescimento econômico das principais economias ocidentais foi alcançado em decorrência dos progressos tecnológicos promovidos pelas duas primeiras Revoluções Industriais.

Após a década de 1970, a chamada Terceira Revolução Industrial, baseada na microeletrônica e nas modernas tecnologias de informação, não foi capaz de reproduzir as mesmas condições de crescimento acelerado, porque o progresso tecnológico contemporâneo tem falhado na promoção de elevados níveis de produtividade, semelhantes aos verificados entre a segunda metade do século XIX e os anos 1960.

Então, Gordon conclui que a realidade econômica atual, considerando as forças produtivas e seu estágio de desenvolvimento, tem falhado em reproduzir as mesmas taxas de crescimento e de maneira contínua. Se para a corrente neoclássica, por exemplo, o crescimento de longo prazo é dado pela importância do progresso tecnológico com variações positivas na produtividade, então é mais apropriado afirmar que as baixas taxas de crescimento verificadas, nas últimas duas décadas, confirmam que o capitalismo contemporâneo se expande em “altitude próxima ao solo”, com tendências à estagnação, sobretudo nas economias centrais.

Antes da crise de 2008, que atingiu o coração do sistema capitalista mundial, o sistema financeiro norte-americano, imaginava-se uma nova era de expansão das forças produtivas e que o crescimento econômico estava se abrindo para todos que se integrassem na Nova Ordem multipolar. A queda do Muro de Berlim e a ascensão da ideologia neoliberal, fortemente influenciada pelos policy markers dos mercados financeiros e economistas de prestigiadas universidade dos EUA, serviam de pano de fundo para fortalecer essa crença. Enfim, tudo parecia transcorrer rumo a um mundo plano, com a convergência dos países desenvolvidos e em desenvolvimento como advogava Thomas Friedman [O Mundo é Plano: uma história breve do século XX. São Paulo: Objetiva, 2007].

Entretanto, a crise do subprime nos EUA [2008/2009] e das dívidas soberanas na União Europeia [2009/2011], que ainda se arrastam até os dias atuais, impuseram novos desafios ao pensamento econômico, por exemplo, e levantaram uma série de questionamentos sobre o mainstream acadêmico nessa área.

Nesse contexto Lara Resende argumenta, no texto já referido, que a questão ecológica impõe sérios limites e restrições ao modelo neoclássico de crescimento. Pois, se o crescimento econômico é visto como necessário para aumentar o padrão de vida das pessoas, e esse padrão se traduz em mais consumo, não se pode perseguir mais progresso tecnológico, com vistas a elevações na produtividade, para se alcançar maiores níveis de consumo sem causar estragos naturais. Então, ele questiona: se o crescimento econômico serve para elevar a renda per capita, com isso a riqueza, então para quê aumentar a riqueza desmesuradamente, a todo custo? [p. 107].

Após a crise de 2008, a crítica desse autor direciona-se à síntese keynesiana porque diante de sua pretensão em explicar as instabilidades do sistema econômico [com forte queda do emprego e da renda], a solução seria melhorar a competência de gerenciamento do sistema. Para isso, os remédios tradicionais de estímulos ao crescimento econômico de corte keynesiano seriam suficientes

Nas profundas recessões econômicas no século XX, pelo menos duas soluções gerais se apresentam: i] deixar o sistema econômico à própria sorte até crise expurgar os agentes econômicos privados ineficientes; ii] elevação do gasto público, com expansão dívida pública, com objetivo de estimular a demanda privada, principalmente os investimentos, aliado à expansão creditícia.

Conforme Lara Resende, na crise de 2008 os agentes privados estavam [e ainda continuam] com elevado nível de endividamento, portanto, a segunda solução não teria muito efeito para recuperar e colocar a economia dos EUA e Europa, novamente nos trilhos, pois a expansão dos gastos públicos, de tipo keynesiano, somente seria eficiente em um ambiente onde o excesso de dívidas privadas fosse eliminado pela recessão. Assim, os empresários capitalista teriam maiores possibilidades de recorrer a novos créditos, reagir aos estímulos governamentais e reestabelecer a confiança no ambiente econômico com novos investimentos.

Assim, a atual crise do capitalismo, mesmo guardando certas semelhanças com a grande Depressão de 1930, impõe novos limites que não estavam tão claros no início do século XX.

O primeiro deles é a expansão das dívidas públicas e o elevado grau de intervenção do Estado na economia, promovendo situações cada vez mais iminentes de um colapso geral no seio do próprio capitalismo e dos seus princípios ordenadores. Segundo, a restrição dos limites físicos do planeta diante de uma estratégia tradicional que acione políticas econômicas [fiscais e creditícias] com estímulos ao crescimento econômico e a reprodução dos padrões de consumo. Isso tende aumentar as pressões, em escalas cada vez mais extraordinárias, sobre os recursos ambientais. E, nesse sentido, parece que as mudanças tecnológicas não conseguem resolver, de maneira satisfatória, a velocidade e intensidades dessas pressões.

Então, Lara Resende se questiona: “como reduzir a disparidade dos padrões de vida sem aumentar a intermediação do Estado e restringir as liberdades individuais e como reverter o consumismo, a insaciabilidade material, sem reduzir a percepção de bem-estar” [p. 83]. Esses aspectos impõem um enorme desafio ao processo civilizatório e à ciência econômica.

A nosso ver, como questão geral, Lara Resende aborda elementos essenciais e importantes, mas peca, talvez, na formulação de sua base crítica. Para nós, o bem estar sempre foi um constructo utópico, pois as razões para o desenvolvimento das forças produtivas no capitalismo sempre estiveram correlacionadas às necessidades de acumulação de riqueza privada. Nesse movimento de produção, a riqueza se acumula de forma exponencial e em grandes estoques, real e financeiro, nas mãos de alguns privilegiados. Não tem sido por acaso que Joseph Stiglitz, Nobel de Economia em 2001, tem escrito e produzido fortes críticas ao modelo de desenvolvimento econômico norteamericano e seu atual estágio concentracionista de renda e riqueza.

Portanto, para que a riqueza possa ser produzida e acumulada é imperativo que os padrões de consumo continuem se reproduzindo em escala ampliada. De uma perspectiva completamente diferente, concordamos com a crítica final de Lara Resende: se o sistema econômico capitalista continuar se expandindo da maneira como vem acontecendo nos últimos quarenta anos, pelo menos, e praticarmos, a cada grande crise, políticas anticíclicas de combate às suas instabilidades, que estimulam ainda mais o crescimento da demanda privada através do crescimento econômico, sem tocar na questão distributiva de forma mais profunda, teremos muitos dissabores no futuro.

A figura abaixo foi publicada pela prestigiada Revista New Scientist [October 18/2008, N. 18, p. 40], e utilizada, recentemente, numa brilhante análise de Ignacy Sachs, Ladislau Dowbor e Carlos Lopes [Crises e Oportunidades: uma agenda de mudanças estruturais. São Paulo: Instituto Paulo Freire, 2010. Clique aqui]. Nela, verificamos o agudo crescimento de fatores, uso de recursos naturais, bem como a escala de produção de certos bens produzidos. Cabe então a seguinte pergunta: podemos crescer infinitamente reproduzindo os padrões de consumo, estabelecidos no século XX, atendendo aos objetivos de acumulação de capital e riqueza do sistema de maneira contínua?

Bem, nada do que foi colocado nesse texto não é passível de questionamento e críticas. A humanidade já deu provas de como enfrentar outros importantes dilemas em seu processo de formação. Talvez esse seja mais um. Entretanto, o que não se pode é desconhecer nossos limites e possibilidades. Mas uma coisa é certa: o sistema econômico nascido das duas grandes Revoluções, Industrial e Francesa, não parece garantir o que John Locke expôs no trecho que copiamos e grifamos logo acima. Da maneira como se desenvolve parece não saciar, a contento, as necessidades básicas de uma parcela crescente da população do planeta e ameaça não deixar o suficiente, em quantidade e qualidade, para as próximas gerações.

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