A convocação da presidenta reafirmou a impressão de que o governo joga para plateia no que diz respeito ao combate ao racismo.

18/03/2014 07:56 - Raízes da África
Por Arísia Barros

E Douglas Bechior nos encanta com sua lucidez. Vai lendo...

 

Nota sobre encontro de representantes do movimento negro com a presidenta Dilma, no dia 13 de março de 2014.

Em agosto de 2013, no ato de lançamento do Estatuto da Juventude, após receber das mãos do rapper GOG e do ator Érico Braz, uma carta de denúncia e exigência de providências quanto ao genocídio da juventude negra, a presidenta Dilma disse: “(…) essa talvez seja a questão mais grave que a juventude brasileira passa, porque ela mostra um lado com que não podemos conviver pacificamente, que é o da violência contra a juventude negra e pobre (…) uma das coisas que eu considero mais graves no Brasil hoje é a violência contra a juventude. É o lado mais perverso”.

Cerca de 3 meses depois, no ato de abertura da 3ª Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial, aclamada pelo público presente, a presidenta foi mais uma vez categórica: “A sociedade brasileira tem que arcar com as consequências do longo período escravocrata”. Na época refleti sobre o peso dessas declarações em um texto publicado por esse Blog.

No início deste mês de março, em razão das manifestações racistas no futebol brasileiro, a presidenta, agora pelo twitter, uma vez mais caprichou na declaração: “É inadmissível que o Brasil, a maior nação negra fora da África, conviva com cenas de racismo”.

Na última quinta-feira, (13/03) tive a oportunidade de lembrar essas declarações à Presidenta e dizer a ela que, se é positivo e simbólico posicionamentos desse nível proferidos pela chefa maior do Estado Brasileiro, é ainda mais importante ações concretas que acompanhem o peso das declarações, coisa que infelizmente não percebemos.

A convocação da presidenta, que reuniu representação de organizações negras no Palácio do Planalto na última semana, reafirmou a impressão de que o governo joga para plateia no que diz respeito ao combate ao racismo. Age a medida de conjunturas que obrigam manifestações e posicionamentos, assim como foi no lançamento do Estatuto da Juventude, depois na CONAPIR e agora em razão das manifestações racistas no futebol brasileiro.

As representações negras que lá estiveram, mesmo aqueles alinhados ao governo, foram incisivos em suas colocações e cobranças. Mesmo a representação da SEPPIR, ao dirigir a preparação da intervenção do grupo em diálogo pouco antes da audiência oficial, mostrou-se consciente da necessidade de uma radicalização da pauta. No entanto, o pouco tempo dispensado na agenda presidencial e o formato, cordial e gerencial do encontro, mostrou uma presidente de retórica afiada e sensível, mas pouco comprometida com iniciativas mais consistentes.

Como resultado, o compromisso de uma campanha de combate e repúdio ao racismo que deve ser promovido em função da Copa do Mundo e uma ou outra iniciativa de instituição ou ampliação de cotas raciais em editais de ministérios ou coisa que o valha. Iniciativas importantes, mas pouco para a necessidade e a realidade de barbárie cotidiana a que está exposta a população negra no Brasil.

Em nome do Blog NegroBelchior e das organizações do movimento negro Círculo Palmarino, Núcleo de Consciência Negra na USP, Instituto Luis Gama, Coletivo Quilombação – USP, Grupo de Pesquisas Novo Bandung – UFABC, Uneafro-Brasil e Associação Franciscana de Defesa de Direitos e Formação Popular, apresentei uma Carta de Reivindicações à Ministra Luiza Bairros, ao Ministro Gilberto de Carvalho e à Presidenta Dilma. Não houve respostas objetivas às demandas, mas o compromisso de continuidade do diálogo.

Há questões emergenciais no combate ao racismo que podem e devem se dar até mesmo por iniciativa unilateral da presidência, tais como a titulação e demarcação de territórios quilombolas e indígenas; a federalização de casos emblemáticos de violência policial tal qual os Crimes de Maio de 2006 em São Paulo; a transformação do Plano Juventude Viva em um Programa sério, com recursos suficientes à sua necessidade; ou ainda a criação de um Fundo de Reparação Histórica e Humanitária para os descendentes da população escravizada e indígena no Brasil. Mas para isso é necessário, por parte do Governo, mais que palavras e tapinhas nas costas, e por parte dos movimentos, uma mobilização de negras e negros organizados que, a partir de uma plataforma unificada e radical – no sentido positivo do termo, seja capaz de fazer do combate ao racismo e do tema das reparações históricas, algo que não possa ser ignorado.

Desconfio de que estamos distantes de ambas as situações.

  Fonte: Douglas Belchior

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