Financiamento e "Industrialização" em Alagoas

01/02/2014 06:00 - Fábio Guedes
Por Fábio Guedes Gomes
Image

Nos anos 2000 ministramos vários semestres a disciplina Sistema Financeiro Internacional, nos cursos de Relações Internacionais em faculdades e universidades da capital baiana, Salvador. No programa de disciplina, usávamos, no início do curso, um livro pequeno, mas precioso em conteúdo, intitulado Para Entender o Mundo Financeiro [São Paulo, Ed. Contexto, 2000], do excelente e didático professor Paul Singer, Livre-Docente e professor Titular da USP, atual Secretário de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego.

Nesse “livrinho” os alunos descobrem a importância do sistema financeiro para uma economia capitalista, como o sistema de crédito é fundamental para lubrificar as relações de troca, o mecanismo de produção e realizar sonhos de consumo, impossíveis para aqueles indivíduos sem riqueza acumulada e insuficientes fluxos de renda no presente.

O sistema de crédito está calcado no estoque de riqueza monetária capitalista. Sua expansão depende, justamente, da capacidade do sistema de produção continuar gerando riqueza [acumulação] e como ela se distribui gerando os fluxos de renda [salários, lucros, juros, alugueis etc.].

A importância do sistema financeiro e de crédito sempre foi considerada entre economistas importantes do século XX, a exemplo de John Maynard Keynes e Joseph Schumpeter. Para esse economista austríaco, um sistema econômico avançava de maneira “pulsante” e descontínua, através da ruptura da normalidade por meio de inovações geradas dentro do próprio sistema. O agente responsável por essas rupturas seria o empreendedor, que revolucionando o processo de produção ou explorando uma nova invenção, dava novo sentido às forças produtivas, quebrando a inércia e estagnação de um ciclo produtivo já saturado. Entretanto, segundo Schumpeter, para que esse agente-empreendedor pudesse agir com mais liberdade, o sistema financeiro era fundamental no sentido de oferecer crédito abundante e a juros baixos. Sem irrigar “o bolso” dos agentes inventivos e os investimentos necessários, não haveriam desenvolvimento econômico e quebra de paradigmas tecnológicos.

Por sua vez, para Keynes o investimento produtivo é a mola motora do capitalismo e o crédito algo fundamental. Influenciado pelo economista Irving Fisher, o mais importante dos Estados Unidos no início do século XX, Maynard Keynes em seu artigo de 1913, How far ar bankers at fault for depressions? [Até que ponto são os banqueiros os culpados pelas depressões?] apontou que um dos principais determinantes dos ciclos econômicos, depressões ou apogeus, era “a criação e destruição de créditos”

A decisão de investir para o economista inglês, portanto, envolve fatores objetivos e subjetivos, que se entrelaçam e se determinam. Entre os fatores subjetivos, os empresários-capitalistas se defrontam com as incertezas em relação aos resultados dos gastos com investimentos realizados no presente. Como eles não contam com bola de cristal, levam em conta algumas variáveis reais e as expectativas econômicas. Dentre as variáveis reais, a taxa de juros é fundamental na decisão de investir, pois ao mesmo tempo que remunera os “rentistas”, aqueles que vivem de aplicações em ativos financeiros, também representa o preço do dinheiro.

Então, no geral, o empresário antes de tomar uma decisão de construir uma fábrica, comprar máquinas e contratar trabalhadores, por exemplo, sempre levará em conta o custo do dinheiro [taxa de juros], o rendimento líquido de seu negócio e a remuneração que poderia obter simplesmente aplicando o dinheiro em um ativo financeiro. Nesse sentido, quanto mais desenvolvido um sistema bancário-financeiro, em que a sociedade possa confiar seu estoque de riqueza monetária, mais disponibilidade de recursos para empréstimos e crédito barato, em tese, o sistema produtivo pode acessar.

O economista brasileiro Ignácio Rangel em alguns de seus textos dos anos 1960 e 1970, defendia, veementemente, que o capitalismo brasileiro só poderia se tornar adulto se seu sistema financeiro se ampliasse e desenvolvesse a participação de agentes privados, diminuindo a dependência do sistema econômico do Estado na formação de capital e concessão de financiamentos.

Evidentemente que um sistema econômico que se desenvolve e amplia seus setores produtivos, necessita de mais recursos de financiamento e tende ao endividamento no longo prazo. Como Keynes admitiria, o investimento industrial, por exemplo, somente pode crescer se o capitalista contar com recursos para ampliar a produção e/ou inovar e incorporar novos métodos tecnologicamente avançados. Esses recursos, na contemporaneidade, em sua grande maioria são captados nos mercados financeiros, bolsa de valores ou sistema bancário, comercial ou fomento, público ou privado.

Sobre esse assunto, chegou às nossas mãos um estudo minucioso e recente sobre a participação dos bancos públicos federais no financiamento da economia brasileira. Intitulado Bancos Públicos Federais Brasileiros e Heterogeneidade Regional, o trabalho investiga a atuação dos principais agentes públicos financeiros na tarefa de reduzir as desigualdades regionais no período 2003-2011. Seu autor, Victor Leonardo de Araújo, é pesquisador e professor da Faculdade de Economia da Universidade Federal Fluminense e ex-técnico de pesquisa e planejamento do IPEA. Com base nesse material, procuramos selecionar alguns dados importantes e relevantes sobre a participação de Alagoas na captação de financiamento para o desenvolvimento de atividades produtivas naquele período.

Antes de apresentar os dados e analisá-los, é preciso informar que no Nordeste um dos principais agentes financiadores da atividade produtiva é o Banco do Nordeste do Brasil [BNB]. Sua carteira de crédito financia vários setores econômicos, principalmente pequenos e médios empresários e vários projetos da agricultura familiar. Ainda, é o gestor e executor do Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste [FNE], importante instrumento de política pública destinando recursos financeiros à projetos e programas de desenvolvimento na região.

O FNE financia investimentos de longo prazo e, em menor medida, capital de giro ou custeio. Além dos setores agropecuário, industrial e agroindustrial, também são contemplados com recursos os setores de turismo, comércio, serviços, cultural e infraestrutura.

De acordo com os dados do Ministério do Planejamento, através de seu Departamento de Coordenação e Governança das Empresas Estatais, copilados pelo estudo mencionado, a participação do estado de Alagoas no saldo total das operações de crédito no BNB caiu 38%, conforme ilustra o gráfico abaixo. Para efeito demonstrativo, o estudo revela que a participação de Pernambuco na carteira total de crédito do BNB saiu de 7,22%, em 2003, para 13,86, em 2011, portanto um crescimento de 92%. Isso reflete, inequivocamente, que o Estado de Pernambuco, através do Polo de Suape, tornou-se um novo vetor de desenvolvimento econômico regional, bem como de concentração econômica, a partir da chegada e desenvolvimento de importantes projetos industriais.

Absorvendo 65% dos recursos do Banco do Nordeste para financiamento dos investimentos, Pernambuco, Ceará e Bahia reafirmam-se como principais centros econômicos da região. Entretanto, chama atenção que Alagoas participa com apenas 3,84%, 20% menor que Paraíba e Sergipe [4,6%].

O trabalho ainda preocupa-se em calcular o crescimento real do saldo das operações de crédito dos estados nordestinos por atividade econômica. Com isso fica ainda mais cristalina a capacidade de absorção de recursos por Pernambuco, em razão do desenvolvimento do Complexo Industrial de Suape, como o próprio estudo aponta [p. 190].

Como se observa no quando abaixo, a taxa de crescimento real da operações de crédito em Pernambuco, entre 2004 e 2011, alcançou cerca de 50%, mais de 2,5 vezes o total do Nordeste. Isso denota, indiscutivelmente, um surto industrial e, com ele, a expansão dos setores de serviços e comércio que crescem na captação de crédito puxados pela expansão produtiva [57,6% e 79,2%, respectivamente].

Apenas o Piauí apresenta taxas negativas, mas é compreensível pois o estado não possui um parque industrial importante. Importa mesmo observar o baixo nível de crescimento de Alagoas no saldo real de operações de crédito do BNB no período. Em todos os segmentos econômicos a taxa de crescimento fica abaixo da verificada no Nordeste. Destaque para o resultado do crescimento da área industrial, apenas 9,61%, significando apenas a metade do Nordeste e o menor da região [com exceção do Piauí pela razão apontada acima]. Para não ficarmos apenas com o caso de Pernambuco, Sergipe, por exemplo, apresenta uma taxa elevada de crescimento no saldo de operações de crédito do BNB para o setor industrial [21,66%]. 

Essa mesma situação em relação a participação e crescimento de Alagoas na carteira de créditos para financiamento do Banco do Nordeste do Brasil, verifica-se na análise feita pelo estudo quanto aos Bancos do Brasil, BNDES e Caixa Econômica Federal. Inclusive, até 2010 não se verificam saldos de financiamento à indústria alagoana no BNDES.

Para finalizarmos, reforça-se com esses novos dados, quando analisados em conjunto com aqueles apresentados e discutidos nos artigos anteriores, o argumento de que na economia alagoana não acontece um movimento intenso e forte de industrialização. Se isso fosse verdadeiro, a participação do estado na captação de recursos para o financiamento da atividade industrial teria crescido próximo ao resultado do Nordeste, e a taxa de crescimento no saldo de operações de crédito nos principais bancos de fomento, a exemplo do BNB, seria alta no período considerado. Esses novos indicadores, contrariam, novamente, a propaganda oficial. 

Quem desejar adquirir e conferir o estudo, pode clicar no título do livro Novas Interpretações Desenvolvimentistas, organizado por Inez Silvia Batista Castro [Rio de Janeiro: Centro Internacional Celso Furtado, 2013], onde ele se encontra como capítulo.

Comentários

Os comentários são de inteira responsabilidade dos autores, não representando em qualquer instância a opinião do Cada Minuto ou de seus colaboradores. Para maiores informações, leia nossa política de privacidade.

Carregando..