Acontece em Alagoas um "Surto" Industrial?

20/01/2014 06:00 - Fábio Guedes
Por Fábio Guedes Gomes

Uma das minhas frases prediletas foi cunhada pelo filósofo italiano, Antonio Gramsci e diz o seguinte: “É preciso afiar o pessimismo da razão [...] para construir o otimismo da vontade”. Em termos mais vulgares, significa explorar mais intensamente o instrumental teórico-analítico, utilizado com rigor científico pelo pesquisador, para se chegar às verdades, à essência, que explicam os fenômenos reais.

Sem a realidade não existem teorias e sem teorias as explicações de como o mundo funciona, e como deve funcionar melhor, seriam caóticas. Assim, teoria e prática caminham juntas e nunca separadas. O erro é justamente achar que se pode transformar uma realidade social, melhorar as condições e a dignidade humana na intuição, de maneira improvisada, sem os recursos das ciências.

Quando recorro geralmente a frase de Gramsci me vem a memória o exemplo da ciência médica. Um médico-cientista envolvido em pesquisas sobre a cura do câncer, se depara, todos os dias, com pacientes terminais, mas seu desiderato consiste em desenvolver estudos e diagnósticos, sombrios as vezes, objetivando resolver um problema que aflige milhões de pessoas todos os anos, levando-as na maioria dos casos à morte.

No clássico da literatura historiográfica e social alagoana, A Utopia Armada: rebeliões de pobres nas matas do tombo real [Maceió:EDUFAL, 2005], Dirceu Lindoso ao fazer uma crítica consistente ao discurso historiográfico produzido pela elite sesmeira-escravista e seus intelectuais, que ocultavam a natureza e essência da Revolta Insurrecional dos Cabanos de 1832, enfatizou que “cabe a teoria dar fala aos fatos”. Para ele “os fatos sós, sem uma teoria, não falam. Há que interrogá-los. Tratando-os teoricamente” [p.32].

Quando Dirceu Lindoso argumenta que é necessário uma visão crítica sobre a historiografia oficial, sesmeira-escravista, ele comenta sem rodeios: “O que faz a historiografia crítica, ao estabelecer como premissa de sua escrita historiográfica a objetividade, é desmantelar o arsenal ideológico dessa escrita estamental, desmontando os elementos de sua parafernália.”

De uma maneira mais prosaica, o ex-líder da banda Legião Urbana, Renato Russo, em uma de suas lindas canções [Perfeição] escreveu: “Quando a esperança está dispersa/Só a verdade me liberta/Chega de maldade e ilusão.”

Essa longa digressão inicial objetivou esclarecer que o papel da pesquisa, dos estudos e análises é lançar luzes sobre fenômenos da natureza (humana ou física) ou social, no passado ou presente, e fazer conjecturas sobre o futuro. Proposições são elaboradas com base, justamente, no avanço das ciências, se não fosse assim a humanidade teria pouco avançado desde o Renascimento, do século XVII até os dias atuais.

Até aqui temos argumentado em análises publicadas nesse ambiente que os indicadores econômicos sobre Alagoas não anunciam um processo intenso de industrialização. Já vimos que pelo lado do emprego formal, número de consumidores e consumo de energia, a indústria alagoana quase não avançou, e se ocorreu isso foi muito marginalmente.

Quando descrevemos o caso da industrialização pernambucana e analisamos alguns aspectos na última publicação[1], chamamos atenção para os vultosos investimentos industriais nessa economia e o dinamismo do seu mercado de trabalho. Concluímos apontando alguns aspectos que devem servir de lição para o futuro industrial de Alagoas.

Dissemos que “o sucesso da industrialização em Pernambuco deve-se a uma escolha política estratégica do governo federal, competência de articulação política do governo estadual, investimentos em infraestrutura e capacitação de mão de obra”. Ademais, que os efeitos do desenvolvimento do Complexo Portuário-Químico de Suape sobre a economia alagoana têm sido quase nulos. Vantagem tem levado a economia paraibana com o surgimento de indústrias de pequeno e médio porte e centros de distribuição e logística, aproveitando-se do boom industrial e econômico do estado vizinho.

Para confirmar nossos argumentos, um trabalho científico de fôlego publicado em maio de 2013, pelos pesquisadores Rodrigo F. Simões, Luiz Carlos de S. Ribeiro, Thiago Henrique C. R. Lopes e Thiago de Moraes Moreira, pesquisadores do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional [CEDEPLAR/UFMG] e da Petrobrás, intitulado SUAPE: novo polo de crescimento?, chegou a resultados muito interessantes [acesse o estudo clicando aqui]:

  1. "A região de Suape apresenta indícios para ser caracterizada como um polo de crescimento já que os segmentos ligados à indústria do petróleo (destaque para a produção de petroquímicos e refino de petróleo) apresentaram ligações intersetoriais com diversas atividades econômicas;
  2. A região está crescendo acima da média estadual, regional e nacional devido, em parte, aos inúmeros investimentos em infraestrutura que estão sendo direcionados para a referida localidade ao longo dos anos;
  3. Tomando os impactos sobre a renda, identificou-se a seguinte hierarquia na distribuição entre os demais estados nordestinos: Bahia, Paraíba, Ceará, Alagoas, Maranhão, Rio Grande do Norte, Sergipe e Piauí".

Sobre Alagoas, a conclusão dos autores é lapidar e corrobora nossos argumentos. Afirma literalmente: 

“Vale a pena destacar que, por mais que Alagoas mantenha uma relação quase umbilical com o estado de Pernambuco, a economia alagoana necessita ser fortalecida e diversificada, por meio do incremento de suas relações de comércio inter-regional e investimentos em setores estratégicos. A partir disso, talvez, o estado de Alagoas consiga absorver maiores benefícios em relação à investimentos similares aos da RNEST [Refinaria Abreu e Lima]”.

Para finalizar, recorremos a tabela abaixo baseada na Relação Anual de Informações Sociais [RAIS], do Ministério do Trabalho e Emprego, uma das bases de dados mais credível do país. Nela, observamos que entre 2007 e 2012 o emprego com carteira assinada no setor da indústria de transformação no Nordeste cresceu 20,1%, saindo de 904 mil trabalhadores para mais de 1 milhão, no período considerado.

O melhor desempenho coube ao estado de Sergipe, 40,5%, comprovando o que já observamos na realidade quando atravessamos o Rio São Francisco, sentido BR-101 sul.

Nos demais estados, com exceção do Rio Grande do Norte e Alagoas, o emprego formal na indústria de transformação cresceu, em média, 23%, acima do resultado regional. Os maiores contingentes de trabalhadores industriais estão no Ceará (258.794), Pernambuco (231.206) e Bahia (229.470).

Surpreendente é o baixo dinamismo na geração de empregos industriais em Alagoas, apenas 0,13% em 7 anos. Mesmo considerando a sazonalidade do complexo sucroalcooleiro, não existem razões plausíveis para explicar esse pífio desempenho que não seja um processo muito marginal de industrialização. Em comparação com os demais estados do Nordeste, fica mais evidente ainda que a geração de empregos formais na indústria alagoana foi medíocre nos últimos anos.

Difícil mesmo acreditar na tese de que o estado tenha recebido mais de 90 indústrias que geraram 100 mil empregos, diretos e indiretos, como afirmou em entrevista ao Jornal Cadaminuto [10 a 16/01/2014] o Secretário de Articulação Social do Estado, Claudionor Araújo.

Para concluir, gostaríamos de reafirmar que os textos aqui publicados têm o único e exclusivo objetivo de contribuir com o debate econômico e social sobre Alagoas e seu futuro. Não podemos, para o bem de nossa sociedade, nos curvarmos as injustiças contra nosso povo, a escassez de debates mais sérios e fundamentados e as tribunícias críticas morais, insolentes e panfletárias. Concordamos plenamente que o estado de letargia e assustadores índices sociais no estado de Alagoas são frutos de sucessivos governos, ao longo de pelo menos três décadas, colecionando mais fracassos que avanços. Agora, é necessário mostrar que não estamos caminhando em uma estrada de tijolos de ouro como na fábula de O Mágico de Oz!  

DICA: sobre a dinâmica recente da indústria no Brasil, acessar a análise do nosso colega Fernando Nogueira da Costa [Professor Livre Docente do Instituto de Economia da UNICAMP/SP] clicando aqui.

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