A Realidade dos Indicadores e a Psicologia do Autoengano

03/01/2014 06:00 - Fábio Guedes
Por Fábio Guedes Gomes

As teorias econômicas são tentativas de conhecimento mais apurado de uma realidade social complexa, dinâmica e de suas possíveis interações. Elas nos ajudam a interpretar fenômenos econômicos, revelar enigmas, orientar e condicionar o comportamento do homem comum, além de objetivar melhorias em sua condição social  [como admitia o maior economista inglês do final do século XIX, Alfred Marshall], racionalizar as decisões políticas e orientar o homem prático que se julga suspenso de qualquer orientação científica ou princípio filosófico.

Como certa feita afirmou uma das maiores e privilegiadas cabeças econômicas do século XX, John Maynard Keynes, “[...] os homens objetivos, que se julgam livres de qualquer influência intelectual são, em geral, escravos de algum economista defunto. Os insensatos, que ocupam posições de autoridade, que ouvem vozes no ar, destilam seus arrebatamentos inspirados em algum escriba acadêmico de certos anos atrás” [Teoria Geral, do Emprego, do Juro e da Moeda, 1936].

O interessante, na contemporaneidade, é verificar a existência de muitos “insensatos” que sequer são orientados, inconscientemente, por algum escriba morto, preferem a psicologia do autoengano, a negação dos dados, das estatísticas e das próprias teorias e análises econômicas. Preferem acreditar que apenas os fatos da realidade falam por si mesmo e são suficientes para explicar um sistema dinâmico.

Conforme tabela apresentada em post anterior[1], e reproduzida neste, demonstrou-se que pelo lado do emprego, a economia alagoana não passa por um surto industrial, como muitos defendem. Pelo contrário, vimos que, entre 2007 e 2012, o estoque de empregos formais na indústria de transformação avançou apenas 0,13%. Vemos pujança mesmo nas atividades de construção civil, comércio e serviços.

O que chamamos de paradoxo alagoano nos post anterior significa a incompatibilidade entre o discurso político, a propaganda governamental, e os resultados econômicos manifestados através de alguns indicadores elementares. Assim, nas análises da evolução do emprego, do consumo de energia e do número de unidades consumidoras, no estado, os dados confirmam nossos argumentos.

Com base no Anuário Estatístico de Energia Elétrica da Empresa de Pesquisa Energética, do Ministério das Minas e Energia, a atividade industrial alagoana parece não avançar de forma tão significativa a ponto de revelar resultados surpreendentes.

Como podemos perceber no quadro abaixo, entre 2007 e 2012, o total de consumidores de energia em Alagoas passou de 772,4 mil para quase 951 mil, um incremento de 23,1%, com forte participação do crescimento do número de consumidores residenciais (23,8%) e comerciais (19,5%). Já no ramo industrial o número de consumidores ficou praticamente estagnado (0,1%), com maior nível absoluto alcançado em 2011 (2.681), quando coincidiu com o forte crescimento das exportações do estado nesse ano, aspecto já analisado em outro post [2].

Quando observamos a evolução do consumo no quadro seguinte, Alagoas avançou 18,7% no total, saindo de 3,7 GWh, em 2007, para 4,4 GWh, em 2012. Evidencia-se a expansão residencial (47,9%) e comercial (45,9%), ratificando os dados anteriores e comprovando, no estado, a expansão do mercado consumidor determinado pelo crescimento do emprego nos setores terciários e na construção civil, pela elevação dos padrões salariais mínimos e expansão dos programas assistenciais. Tais elementos, promovidos por políticas e programas do governo federal, impulsionaram tanto o consumo quanto o número de consumidores residenciais e comerciais.

Por sua vez, o consumo de energia industrial cresceu apenas 0,9% em Alagoas. Para efeito de comparação, no mesmo período, em Pernambuco, Ceará, Sergipe e Paraíba as taxas de crescimento foram 20,6%, 17,2%, 14,9% e 13,3%, respectivamente.

É importante assinalar que uma parcela do setor industrial em Alagoas, como é o caso do químico e plásticos, atua no mercado livre de compra de energia. O consumo livre total em Alagoas também diminuiu de 191 GWh, em 2007, para 105 GWh, em 2012. Portanto, redução de 45% no período.

Os setores com maior capacidade instalada própria de geração de energia, em Alagoas, são o sucroalcooleiro e parte da cadeia química, com potencial no uso de usinas termoelétricas de 265 MWh e 6,1 MWh, respectivamente. Assim, o restante da cadeia industrial se restringe ao consumo de energia no mercado cativo e livre.

Em resumo, tanto pelo lado do emprego formal de trabalhadores, quanto pelo número de unidades e de quantidade consumida de energia, os indicadores econômicos não revelam que a economia alagoana enfrenta um surto dinâmico de industrialização. Ao contrário, eles convergem comprovando uma semi-estagnação industrial. Muito difícil acreditar que foram instaladas mais de 80 empresas do ramo com geração de 100 mil empregos. Nos parece que os números e a análise econômica contrariam a psicologia do autoengano.

 

[1] http://cadaminuto.com.br/noticia/235690/2013/12/27/o-paradoxo-de-solow-e-os-indicadores-economicos-de-alagoas

[2] http://cadaminuto.com.br/noticia/235257/2013/12/21/aparencias-e-evidencias

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