Licitações realizadas com apenas uma empresa. Pode?

22/10/2013 06:24 - Paulo Chancey
Por Paulo Chanccey
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O resultado do primeiro leilão do pré-sal, em que pese festejado de forma efusiva pelo governo, ignorando os protestos contra aquela licitação, nos remete a uma situação muito corriqueira que se registra nas licitações realizadas pelo poder público, com forte coeficiente de ocorrência nos municípios.

No caso do Leilão realizado pelo governo para a exploração de petróleo do pré-sal, depois de muito interesse, apenas um consórcio apresentou proposta, e o leilão, sem concorrência, foi levado adiante e dado com proveitoso.

Sendo o poder público o maior contratante de bens, obras e serviços, o mais natural não seria que suas licitações atraíssem o maior número possível de participantes? A resposta a essa pergunta é SIM. São contratos generosos, milionários, entretanto, o que se tem visto é uma estranha discrepância entre o número de interessados na licitação, que são aqueles que comparecem ao órgão ou prefeituras para adquirirem o edital, e o número de interessados que efetivamente comparecem à sessão pública do certame. Nada de anormal, não fosse o fato desse quadro estar quase que institucionalizado, cerca de 90% das licitações hoje apresentam número irrisório de participantes. Desse percentual, a maioria registra a presença apenas de um participante.

Da situação apresentada surgem vários questionamentos. Porque tantas empresas adquirem o edital e pouquíssimas participam das disputas? Pode uma licitação com apenas um participante ser levada adiante?

À primeira pergunta, a resposta não é tão fácil de ser dada, considerando que a “desistência” quase que coletiva de interessados tanto pode ser fruto de um possível excesso de rigor nas exigências editalícias, como também podem ser fruto de negociatas de conluios que se formam para combinar resultados e definir previamente o vencedor da licitação, conduta fraudulenta reprimida tanto pela lei de licitações quanto pelo código penal. No primeiro caso, ao invés de simplesmente desistirem, se é que há, efetivamente, interesse no objeto, as empresas deveriam já começar a brigar pela licitação impugnando o edital ou impetrando mandado de segurança contra os eventuais abusos. No segundo caso, fica ainda mais difícil de saber por que tantas empresas “desistiram”, sem impugnar o edital e simplesmente não comparecendo à licitação.

De qualquer sorte, a questão nuclear aqui é saber se é legal dar-se sequência a uma licitação da qual tenha restado apenas um concorrente, nesse caso a questão demanda uma discussão entre o que é legal, porém imoral, já que sabemos que não há crime que não esteja previsto em lei. Sendo assim, não havendo nenhuma previsão explícita de que vede a contiuidade de uma licitação com apenas um participante, logo, ilegal  não é, e nesse ponto, até a doutrina afirma que, indiferentemente às causas motivadoras das ausências, em respeito àquel único participante que se prestou a se deslocar para adquirir o edital e se esmerou em se preparar para atendê-lo, é justo que se respeite isso dando sequência ao certame (Marçal Justen Filho – Licitações e Contratos Administrativos).

Outros aspectos, no entanto, acabam colidindo com o silêncio da lei e o posicionamento doutrinário, no caso os princípios norteadores da Administração Pública, especialmente o da moralidade, de tal sorte que, se algo não é ilegal pode, no mínimo, ser imoral, e nesse caso ressalte-se que a presença de um único participante fere o princípio mais básico da licitação (art. 3º. Da Lei 8.666/93) que é o da busca pela proposta mais vantajosa que, pelo menos em tese, só pode ocorrer entre um número significativo de ofertas, logo, se não há mais participantes, não há competição, e se não há competição está descaracterizada a licitação na usa finalidade mais basilar.

De qualquer modo, há que se considerar alguns aspectos que possam determinar que, mesmo sem a competição almejada, uma licitação deva seguir o seu curso, especialmente se consideradas as dificuldades geradas por algumas peculiaridades ou complexidade técnica ou científica que cercam o objeto, uma nova convocação possa trazer algum prejuízo para a Administração, mas ainda assim, não pode se descuidar o órgão ou prefeitura responsável pela licitação, em se prestar a analisar com bem mais rigor as condições de habilitação da única empresa proponente e aos termos da proposta, tanto no que se refere ao que foi exigido no edital, quanto pelo valor, no sentido amplo, ofertado, especialmente se este está ou não dentro do limite estimado pela Administração.

Até outra.

 

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