"Uma flor nasceu na rua! Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego. Uma flor ainda desbotada ilude a polícia, rompe o asfalto. Façam completo silêncio, paralisem os negócios, garanto que uma flor nasceu. É feia. Mas é flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio."
Drummond nos deixou esse legado. Parece premonição. O eco da algaravia das ruas ribombou no Congresso Nacional, nos palácios e na toga. Rápido nas interpretações - que provocaram confusões e desencontros entre partidos, políticos e autoridades - cada um tomou as medidas a seu juízo.
A justiça mandou prender o primeiro deputado em 60 anos, o congresso botou para andar projetos de combate a corrupção e de financiamento da educaçao e da saúde com os royalties do petróleo, e o executivo - junto com o Congresso - resolveu dar prioridade à reforma política, além de uma atenção especial às demandas por uma reforma urbana com ênfase na mobilidade das grandes regiões metropolitanas.
Isso só para citar alguns exemplos. Tudo num prazo extremamente curto. Impossível de se imaginar numa conjuntura de céu de brigadeiro. A rua construiu uma nova agenda para o país, colocou suas prioridades e disse que tinha pressa. Mas nada disso aconteceu sem que houvesse muita refrega, sem uma luta nos bastidores da república causada pelas prováveis consequências das manifestações.
Cada um a seu modo se preocupou em dar respostas para evitar que a bomba explodisse no seu colo. A oposição, que há muito tempo precisava de uma chance como essa, se apressou em externar que as manifestações eram demonstrações de indignação, e que irrompeu nas ruas num mar de insatisfação contra o governo e o congresso - este sob a notória responsabilidade da chamada base aliada.
Falou uma meia verdade. Nos discursos pareceu até que o povo tinha acorrido às ruas atendendo ao chamamento patriótico da oposição congressual. Esqueceu que o estopim da crise foi um motivo muito concreto e atingiu prefeitos e governadores de todos os partidos e em todas as regiões: o valor da passagem do transporte público.
É fato que os manifestantes estão indignados com o governo, ou com os governos, melhor dizendo. Mas é fato, também, que o povo foi para a rua sem partido, numa clara alusão à falta de representatividade da oposiçao congressual que, em condições normais de temperatura e pressão, deveria ser a legítima representante da insatisfação popular. Ora, quem vai para a rua protestar, vai contra o governo. Ou, como dizíamos na época da ditadura, contra o que está aí! E é muito natural que nao queira um representante do governo como seu porta voz.
O que nao é normal e merece reflexão é que os insatisfeitos não se sintam representados pela oposição. Na verdade, as ruas pedem ética na política e eficácia na gestão! Se não temos uma crise institucional e os partidos não representam uma parcela importante da sociedade, vivemos claramente uma crise de representação.
E nesse caso, a meu ver, só temos duas saídas: ou apelamos para a democracia direta, com sérios riscos de descambar para o populismo e descartar o papel do Congresso Nacional; ou resgatamos nossa democracia representativa com uma reforma política que legitime nossos representantes num momento de descredito generalizado. Portanto, a saída passa pela reforma política.
E ela não é tão simples como pretendem alguns. Não podemos fazer uma reforma política de afogadilho para salvar as aparências de quem não fez o dever de casa a mais tempo. É fundamental que o novo sistema eleitoral e a forma de representação atenda ao novo Brasil que foi para as ruas.
E através de um plebiscito, se possível. Mas seria importante que já valesse para o próximo pleito, para 2014. Dessa forma, o povo teria um novo Congresso e um poder executivo estruturados dentro de novas regras. Fruto do apelo popular. Como uma flor que brotou do asfalto, como diria Drummond.