Era uma menina preta com os cabelos alvoroçados pelo abandono das ruas.
Ela entrou aqui faz pouquinho. Entrou pela porta da frente. Entrou sem avisar, meio que invasora de espaços alheios. Era uma menina preta com os cabelos alvoroçados pelo abandono das ruas. Os olhos urravam a essência da demência das drogas.
13 anos declarou a idade. Na sacola um monte de roupas com cheiro de desenraizamento familiar. Afirma que mora na rua, onde mora muita gente. Vive ao léu tendo como documento o furto para alimentar o vício. Vive uma ausência de lugar.
Ela cometeu um furto- é verdade- invadiu a casa e roubou o celular da minha velha mãe, que ainda tentou dar-lhe um prato de comida.
A fragilidade da menina em contraponto com a astúcia de invadir espaços para cometer um crime, me deixou inquieta.
Era magra, assustada e respirava fragilidade. Uma fragilidade que adentra o mundo do crime para alimentar o vício.
Uma gama de sentimentos sobressaltaram ao deparar-me com a menina que invadiu a casa: O dedo em riste acobertando o medo do desconhecido e a sensação de impossibilidade. Olhei a menina sozinha e desacompanhada num misto de: - O que é que faço agora? Sem sonhos, sem caminhos, sem nada. O futuro emparedado. E isso me abriu um – raivoso- buraco n’ alma.
Uma menina preta, 13 anos, bem alta para sua idade, ainda com um resquício do porte de dignidade. Dona de seu próprio destino , tendo como única bagagem um amontoado de histórias partidas.
Uma menina como tantas outras que vivem em nossas casas, agasalhadas, cuidadas.
E sobre essas outras meninas abandonadas paira um gritante silêncio social como o grande cúmplice dessas pálidas vidas desperdiçadas.
A menina-visivelmente- drogada que invadiu a casa, ao meio-dia de uma quarta-feira me deixou inquieta.
A violência tem várias faces.
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