E o sorriso, sem dentes, iluminou o mundo todo.
Ela trazia o mundo plantado nas costas. Era uma senhora velhinha com inúmeros riscos espalhando o tempo cinza em sua pele. Na cabeça um pano tosco escondia a idade translúcida. Ria uma riso frouxo de uma vida fustigada pelo nada ter. Ela e a lata do lixo na calçada da loja no Pelourinho, em Salvador/Bahia se confundiam. O corpo franzino se entregava a tarefa de esmiuçar o conteúdo da lata do lixo. Caçava seu tesouro diário: latinhas de cerveja vazias, que seriam transformadas em moedas.
Era uma senhora velhinha com seu riso frouxo de abandono. Tratada como quinquilharia barata nas terras do turismo étnico.
Talvez já tenha tido tempos fartos, mas, naquele momento estava só, rasa, catando seu alimento em um isolamento contemporâneo. Ninguém prestou atenção na velhinha. Ninguém!
Monologava com as vulnerabilidades cotidianas.
Ela percebendo a observação e as fotos me mostrou o tesouro encontrado: cinco ou seis latinhas e amassando-as com o pé calçado de tantos caminhos, exclamou:- Não disse que conseguia amassar?
E o sorriso, sem dentes, iluminou o mundo todo.
Recolheu as latinhas e as depositou numa sacola que carregava. Aportou-se da bengala e foi-se estrada afora, mas antes me mandou um até logo.
Era uma velhinha de sorriso frouxo.
Seu nome? Abandono.
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