Quando você sobe essas escadas, eu subo junto com você...

07/11/2012 04:12 - Raízes da África
Por Arisia Barros

Um depoimento de novembro para despertar a consciência de que é a família , como primeira instituição, a essência da nossa construção como  pessoas e da negritude além da pele. Nos fala Cidinha Silva:

 

"Fiquei emocionada quando me lembrei que no segundo período do meu curso universitário, tinha aulas aos sábados pela manhã.
No quarto sábado de aula, quando chegava para subir a rampa da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas de Goiatuba, no estado de Minas Gerais saiu esbaforida de um dos prédios chiques que cercavam o antigo e decadente prédio da universidade, uma moça negra que gritava “Parecida, Parecida, me espera”. Aguardei, surpresa.
Era Rosana que havia sido minha colega de turma no segundo ano primário, nove anos atrás. Depois de me abraçar, perguntar se eu me lembrava dela e de ouvir minha resposta afirmativa, ela me disse uma das coisas mais marcantes da minha vida: -“Eu trabalho naquele prédio ali e quando te vi da janela, há três sábados, eu sabia que era você. Eu sabia que você ia conseguir. Eu sabia que você ia fazer faculdade. E eu vim aqui para falar com você, mesmo sem saber se você ia se lembrar de mim, para te dizer que todo sábado de manhã, quando você sobe essas escadas, eu subo junto com você, eu entro junto com você na sala de aula. E quando você sair dali, formada, eu vou me formar junto com você.”
Eu, como vocês imaginam, chorei como choro agora, e só consegui abraçar aquela mulher-gigante e me recostar nos ombros dela, consternada por todo Axé que ela me dava. E, se vocês não entenderam, eu só consegui como Rosana disse, porque tive uma família digna e amorosa, como a família de Subúrbia e que cuidou de mim como criança, quando eu era criança. “

 

Cidinha da Silva é prosadora. Organizadora do livro Ações Afirmativas em Educação: experiências brasileiras (Selo Negro Edições, 2003, 3a edição) e co-autora de Racismo no Brasil (Peirópolis, 2002) e Colonos e Quilombolas (Irene Santos – edição da autora, Porto Alegre, 2011). Tem dois livros de histórias curtas publicados pela Mazza Edições: Cada Tridente em Seu Lugar (2007, 3a edição) e Você me deixe, viu? Eu vou bater meu tambor! (2008). Escreveu também uma novela juvenil, Os nove pentes d’África (2009) e um romance para todas as idades, Kuami (Nandyala, 2011). Participa da coletânea Questão de pele, organizada por Luiz Ruffato para a editora Lingua Geral, com o texto Dublê de Ogum. Tem alguns textos em processo de adaptação para o cinema e, recentemente, Os nove pentes d’África chegou ao teatro. Oh, margem! Reinventa os rios! ( crônicas, Selo Povo Edições, 2011) e O mar de Manu (conto, Kuanza Produções, 2011) são os mais recentes. Em 2010, seu primeiro livro, “Cada tridente em seu lugar” (Maza Edições, 2006), ofereceu base conceitual para a campanha publicitária Novembro Negro, da Secretaria de Promoção da Igualdade do Governo do Estado da Bahia, disponível no Youtube: http://www.youtube.com/watch?v=XCdBBSqwruc
 

Comentários

Os comentários são de inteira responsabilidade dos autores, não representando em qualquer instância a opinião do Cada Minuto ou de seus colaboradores. Para maiores informações, leia nossa política de privacidade.

Carregando..