“No olho do furacão”. Assim o funcionário público Sérgio Lúcio classifica o fato de ter estado em Brasília quando o movimento dos caras pintadas ganhou as ruas da capital federal. Assessor parlamentar à época, Sérgio relembra nos 20 anos da votação do impeachment do presidente Fernando Collor de Melo das manifestações das quais participou.
“Recordo que houve alguns protestos no gramado em frente ao Congresso Nacional. Vestimos preto e pintamos a cara de verde e amarelo”, colocou o funcionário público.
Assim como a maioria dos jovens que participou das manifestações que pediam a saída de Collor do poder, Sérgio, com 26 anos em 1992, diz que por ver “os desmandos administrativos de Collor” decidiu se engajar no movimento.
“Cheguei a Brasília no mês de junho, sempre tive muita consciência política e não podia ficar calado diante daquela situação. Como alagoano me sentia muito triste com tudo o que estava acontecendo, não queria ver o nome do meu estado daquele jeito”, afirmou.
No dia da votação do impeachment, 29 de setembro de 1992, Sérgio conta que assistiu pela TV a destituição de Collor do poder. Ele diz que tem muito orgulho de ter sido um cara-pintada. “É uma pena que não tenho registros fotográficos da época. Era muito jovem e participei desse grande momento na história do Brasil”, frisou.
Com o mesmo sentimento de revolta, Daniel Barros também participou das manifestações. À época, recém saído da faculdade, ele conta que lembra dos encontros que tinham como concentração a sede da Ordem dos Advogados do Brasil seccional Alagoas (OAB-AL), no centro de Maceió.
“Sempre participei de movimento estudantil, então sempre fui muito ligado em política. Estava com 23 anos e acredito que as manifestações foram de fundamental importância para a queda do presidente, a influência que elas tiveram na votação para o impeachment foi muito grande”, disse Barros que, atualmente, é policial civil em Brasília.
Também militante nos movimentos estudantis, Adriano Argolo participou ativamente da Campanha Fora Collor. Em 1992, ele havia acabado de chegar do exterior onde morou durante nove anos. Ele afirma que quando as primeiras denúncias de corrupção no Governo Collor começaram a vir à tona teve início o preconceito contra os alagoanos.
“Antes disso, não tinha essa conversa. Essa questão do preconceito veio depois do Collor. Toda essa carga negativa que nós alagoanos carregamos e vamos carregar por muito tempo é herança desta fase. Para mim, Fernando Collor é precursor da Taturana”, colocou Argolo, que é advogado e membro do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE).
Mais jovens
Mesmo com apenas 17 anos em 1992, o supervisor administrativo Rodrigo Santos de Albuquerque afirma que a indignação com o Governo Collor o fez se juntar aos caras pintadas. Ele relembra que ele e outros estudantes do Colégio Madalena Sofia participaram de algumas manifestações Fora Collor.
“De início, fomos influenciados, mas depois fomos vendo a necessidade de protestar e nossa consciência política falou mais alto. Foi uma época de transição para todos e ter vivido isso foi muito importante”, disse Albuquerque.
Após ter morado 10 anos na Europa, o supervisor administrativo coloca que lamenta o fato de Collor ainda ter direitos políticos. “A lei é muito falha e hoje ele está de volta. Para mim ele deveria ter sido banido da política. Foi frustrante vê-lo de volta”, lamentou Albuquerque.
Com 15 anos, Gil Vicente Oliveira relembra que na época do impeachment ele começou a se interessar por política. Em duas manifestações, Oliveira, que hoje é advogado, saiu às ruas de São José dos Campos (SP) para protestar contra o governo de Fernando Collor.
“Lembro que nesse período foi que eu consegui ter minhas discussões e leituras de interesse político. Tinha um grupo pequeno de amigos que se interessava também em aprender sobre política e éramos ajudados por uma professora de história bastante participativa e generosa. Essa época de despertar de consciência política coincide com a época do movimento pelo impeachment”, colocou Oliveira.
Para o advogado, a participação do povo, cobrando a saída de Collor durante dos protestos, foi de fundamental importância para que o impeachment fosse aprovado. “A mobilização da sociedade civil como um todo foi decisiva, pois havia o descontentamento geral com a crise econômica e moral gerada pelo governo e isso impactava claramente em toda sociedade. Os caras pintadas são a face dessa mobilização que foi bem grande, portanto dou muito crédito quando a população vai às ruas e nesse caso participa diretamente da queda de um presidente”, observou.
OAB
As manifestações Fora Collor em Alagoas foram capitaneadas pela seccional da OAB e pela Central Única dos Trabalhadores (CUT). Atualmente procurador-geral do estado, Marcelo Teixeira era presidente da Ordem em 1992. Ele explica que a OAB nacional determinou as coordenadas do movimento em todas as unidades da federação.
“Foi um momento histórico, um fato inédito. Uma das grandes lições que tiramos daquele episódio foi a força das instituições democráticas brasileiras. Sem a mobilização fatalmente o impeachment não teria ocorrido. O que aconteceu foi o resultado da sociedade civil organizada com as entidade”, afirmou o procurador.