Meu velho pai morreu faz dez anos e, ontem, ao perpetrar a aventura de ir ao Mercado da Produção a força da lembrança acordou e o trouxe de volta.
Meu pai, um sujeito integro e rígido, possuía uma delicadeza áspera , dessas que tem a maioria dos homens nascidos na ditadura dos padrões androcêntricos e racistas dos anos 20.
O mestre Antonio Pedro era um preto de caráter que zelava pelo nome e ensinava que o nome da gente é nossa maior riqueza.
Meu pai foi um revolucionário do seu tempo. Rompeu com os lugares sociais inventados para pretos no país dos escravizados E fugiu , ainda menino, da côrte e do corte  da cana no município alagoano de Matriz de Camaragibe e veio ser “gente de verdade” na capital.
Ao reinventar sua história, meu velho e saudoso pai, rascunhou uma nova vida para seus filhos e  filas.
Primoroso entre soldas e formas tornou-se mestre. Ao torna-se mestre recebeu convite para ser professor no antigo CEFET. Apesar da segregação social e econômica, Séo Antonio, meu pai, ousou ser livre em suas escolhas. Sempre dizia que não iria ser escravo e nem empregado de ninguém. Foi grande no que fez e criou a família numerosa com a sua arte de funilaria.
E que orgulho tenho das firmes posturas desse homem que determina, até hoje, algumas trilhas que devo percorrer nos labirintos do auto-encontro.
Meu pai era apaixonado pelo que fazia e afirmava que queria morrer em pleno trabalho, igual à artista que anseia a morte no palco.
Funileiro, o mestre, tinha como um de seus clientes, o então candidato a prefeito Divaldo Suruagy. Um político que admirava e fazia propaganda.
Semi analfabeto era um dos homens mais politizados que conheci.Com ele aprendi a gostar de política.
São lembranças paridas por entre becos, vielas e ruas do desprezado bairro da Levada,
(a cidade de Maceió tem gestor?) na capital alagoana, onde fica localizado o Mercado da Produção, um dos lugares onde fincou uma das suas oficinas.
Era eu sua companheira, ainda menina, nas idas à feira ao Mercado da Produção e como gostava de verdejar entre as frutas das quitandas e o alarido das vozes dos feirantes que despertava na menina um sentimento de vida.
Meu pai me deixou duas heranças poderosas: o gosto por  interpretar o mundo a partir da leitura e a paixão perfeccionista pelo ofício.
Além da enorme saudade que sinto agora.
Saudades Séo Antonio!