Vozes, muitas delas em Alagoas, levantam-se contra a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que afirma a constitucionalidade do sistema de cotas raciais em universidades.
Parte delas nunca frequentou uma sala de aula no CEPA, recheada de alunos negros. Ou parcela destas, mesmo que afrodescendentes, reproduz o argumento do racismo às avessas supostamente instaurado pelo regime cotista.
Outras, ainda, defendem a adoção única do critério da condição social como alternativa para pacificar a questão. Algumas mais, estas desprovidas de perspectiva histórica, esquecem-se de que a escravidão no Brasil é fato recente temporalmente. O seu fim tem pouco mais de 100 anos.
Eu, provavelmente, tenho amigos cujos bisavós chicotearam meus bisavós.
Interessante notar a forma rasa como o tema é discutido.
Em especial porque nenhuma destas vozes, jamais, criticou a cota dos ricos.
A cota dos favorecidos, que constituem parcela infinitamente diminuta em nosso estado miserável, repleto de jovens pobres, a maioria negros, assassinados a cada esquina, sem perspectivas e sem futuro. A cota dos bem nascidos. Ou, em escala heróica, a cota dos filhos de pais, pobres, heróis.
Todos alunos estudiosos, destaque-se.
Mas todos favorecidos pela condição econômica que ocupam, seja por trabalho árduo e honesto de suas famílias, seja pela perpetuação do capital na mão de uma elite de origem branca, que comemorou a Lei Áurea por poder se livrar do estorvo que os escravos velhos, doentes e inservíveis já representavam àquela altura. Seja por dividendos da corrupção que devasta nosso estado.
Há bem pouco tempo, antes do Enem, e antes das cotas raciais ou socioeconômicas, os grandes (e caros) colégios de Maceió se orgulhavam em veicular acintosa propaganda com os alunos que ocupavam, de acordo com a meritocracia, suas “cotas” em nossas faculdades públicas, isto em cursos concorridos e elitistas como medicina, por exemplo.
O outdoor era um escárnio: “Colégio X aprova 80% em medicina”. “Colégio Y: 90% de ‘feras””. Somadas, estas instituições de ensino, de qualidade inegável, não chegavam a meia dúzia de escolas.
Estes colégios de renome podiam ter suas “cotas” em universidades como a Ufal e a Uncisal.
Já os afros, os pardos...
Tais vozes que bradam contra as cotas raciais nunca se revoltaram contra este paradoxo de a universidade pública estar, durante décadas, a serviço da cota dos ricos, principalmente nestas terras campeãs em concentração de renda e covarde desigualdade.
O STF compreendeu que a questão das cotas nada tem a ver, hoje, com cor de pele.
Pena que muitos dos contra não tenham esta mesma compreensão.