A obrigação de ser “feliz” (ou ser visto como feliz) é uma das mais terríveis ditaduras contemporâneas.
Passado o carnaval, a exposição de imagens de “festa”, “contentamento” e “alegria” revela a imensa tristeza de nosso vazio coletivo.
Já não basta fantasiar os corpos nos corsos, nos desfiles, nos blocos. Tem-se que expor as constatações – bregas e bizarras – do lado “folião” de cada um.
Quem não optou pela “folia”, não ficou de fora desta ortodoxia. Restou a estes a publicidade e a propaganda de suas fantasias anti-carnaval, nas quais se enquadram as imagens fotográficas de retiros, de compras, de destinos blindados de frevo, axé, samba...
Esta aí o Facebook para comprovar.
Mais antitético quanto ao sentido do carnaval, impossível.
Sabe-se que a festa carnavalesca tem relação histórica com a fertilidade da terra, com a prévia para o jejum da Quaresma (um sublime significado não só religioso, como reflexivo) e com a celebração intensa do prazer.
A ordem era desregramento total neste curto período do ano.
E por que? Porque todo o feito no carnaval seria, passada a quarta-feira de cinzas, esquecido por todos (a não ser por quem gozou em verdade da folia, único que deveria recordar o vivido).
Assim, todo o desregramento do período carnavalesco era possível, pois superada a festa tudo voltaria ao “normal”.
Pena que a ditadura da “felicidade” hoje vigente não nos permite mais este celebrar.
E por que? Porque ao materializar e a disseminar seus “desregramentos (?)” em imagens nas redes sociais, por exemplo, clama-se pela lembrança tão eterna quanto efêmera.
Assim, inexiste o desregrar. O que há é puro exibicionismo.
Meus pêsames aos iludidos fantasiados de Olinda, Salvador, Rio e afins que expuseram suas folias em fotos na Internet. Ou aos renitentes, ou deslumbrados, que mostraram seus carnavais “alternativos” no “feice”.
Vocês não viveram a alegria do carnaval.
Vocês se dobraram à tirania do querer ser visto feliz, ao absolutismo do querer ser lembrado alegre em suas micro narrativas, desinteressantes e nulas para a humanidade.
Nada mais inconciliável com o anonimato folião e autêntico do verdadeiro carnaval.