O menino tem o rosto emagrecido pela fome que rasga sua alma e invade a trilha de sonhos infantis com sensações agudas e indescritíveis. O menino com as unhas encardidas com a sujeira do mundo tem um sorriso escancarado nos lábios descoloridos.
O menino tem nome é João de Deus, um nome escolhido pela mãe para dar sorte. João de Deus tem 10 anos e uma eternidade de samba no pé. É um carnavalesco de primeira linha, desses que nasce feito.
Entre os gritos de desespero da mãe e os acordes do tamborim, João de Deus fez sua estréia no mundo, com um choro miúdo de quem pede licença. João de Deus nasceu em um sábado de carnaval.
Segundo o site http://www.osignificado.com.br/carnaval/: “Carnaval vem do latim "carna vale" que significa dizer adeus à carne, e é uma festa que originou-se na Grécia, há mais de 500 anos a.C. Nesta festa o povo agradecia aos deuses pela colheita, pela sua produção naquele período. Os festejos eram bastante difundidos pelo povo de cada cidade, onde todos comemoravam brincando, comendo fartamente e consumindo muito vinho.
O carnaval como se conhece hoje com desfiles de fantasias foi exportado pela França, na Paris no século XIX”.
João de Deus, o menino de pele preta, de 10 anos nascido em uma sábado de carnaval é catador. Cata no lixo, material reciclável para revertê-lo em arroz-feijão-se-pão para ajudar no alimento da numerosa família que a mãe e o pai pobres-de-marré-marré-deci puseram no mundo. Carne não, pois a mistura é a parte mais cara da refeição. João de Deus cata, sobretudo a esperança de sair em uma escola de samba como porta-estandarte.
João de Deus, o menino de 10 anos, encarou o desafio de ir além do primeiro passo. Faz tempo planeja realizar o sonho de ser um grande carnavalesco.
João de Deus sabe tudo sobre outro homônimo, o Joãozinho Trinta, morto o ano passado. João, o de Deus, quer seguir os trinta passos do grande Joãozinho do Maranhão.
Um dia João de Deus no seu ofício de trabalho depara-se com uma senhora da alta sociedade, calçada em oito centímetros da legitima arrogância burguesa ,e entusiasmado por ver gente rica, de muito perto, estende-lhe a mão, com unhas encardidas pela sujeira do mundo: Moça me dá um trocados para comprar minha fantasia.
E a moça, dos sapatos salto Luis XV de oito centimetros, fantasiando um mundo invadido pelo apartheid da hierarquia elitista exclama jocosa: Que fantasia que nada garoto! O teu mal é fome.
João de Deus responde sem titubear:
É fome sim, senhora. A fome de ser feliz!
E desce a cortina. É carnaval!

Raízes da África