Anivaldo Miranda

05/12/2011 08:42 - História dos Ambientalistas
Por Redação

Entre passado e futuro, por Anivaldo Miranda

 

A batalha que está sendo travada em torno da votação da nova versão do Código Florestal Brasileiro não é, como grande parte da mídia tem apresentado, uma simples pendenga entre ruralistas que supostamente querem produzir e ambientalistas que querem fanaticamente preservar. Acreditar nisso seria legitimar aqueles que, apressados por conta de interesses que não emergem à superfície da polêmica, pretendem travestir-se em conciliadores para, em verdade, promover mudanças na legislação ambiental que remetem o Brasil a um passado do qual nós deveríamos nos afastar.

Para muito além das razões de ordem ambiental, essa é uma batalha entre modelos de desenvolvimento, entre um século que se foi e o novo que se inicia, entre atraso e modernidade, entre a agricultura e pecuária extensivas, fartamente subsidiadas, em boa escala de baixa produtividade, predatórias em termos de recursos hídricos, altamente impactantes no que se refere ao uso do solo e a proposta de uma nova agricultura moderna, intensiva, sustentável, democrática em termos de distribuição de terras, água, tecnologia, cooperação e ganhos.

Há no Brasil milhões de hectares de terras que foram criminosamente degradadas, abandonadas ou mal aproveitadas e que tranquilamente resolveriam qualquer impasse em termos de espaço para produzir. E há milhões e milhões de hectares produtivos cujo desempenho poderá ser infinitamente potencializado, desde que se invista em conhecimento e tecnologia e que sejam assegurados os ecossistemas que prestam serviços ambientais fundamentais para o próprio desempenho sustentável da produção agrícola.

Quando ambientalistas, cientistas, técnicos, movimentos sociais e até determinados setores produtivos defendem a essência do atual Código Florestal, fazem-no não apenas movidos por razões estritamente ecológicas, de equilíbrio ambiental. Como uma coisa é consequência da outra, fazem-no sim, porque além de tudo isso, as disposições do Código atual são importantes, decisivas para manter condições naturais bem mais favoráveis à própria atividade agrícola.

Preservar encostas e topos de morros florestados, vegetação ciliar ao longo dos rios e demais corpos hídricos, assegurar a reserva legal de cada propriedade e proteger grandes biomas como a Floresta Amazônica, o Cerrado, a Mata Atlântica, o Pantanal e a Caatinga, não é bom apenas para a biodiversidade e a paisagem. É muito mais do que isso. É essencial para manter um regime de chuvas mais favorável, garantir maior regularidade na oferta hídrica, proteger solos agricultáveis, evitar erosão e desertificação, preservar a integridade de processos naturais como a polinização, diminuir a incidência de pragas e promover uma infinidade de outros serviços ambientais.

Se a grande maioria dos produtores agrícolas deixarem de agir pensando apenas em seu próprio umbigo e se derem conta do enorme ganho coletivo que poderão ter abraçando os novos conceitos da economia avançada e sustentável, tecnologicamente sofisticada e altamente agregada de valores, a vontade e determinação de detonar o Código Florestal se resumirá à minoria que, de fato, tem a ganhar hoje com essa cruzada reacionária e gananciosa dos que ganham derrubando florestas e se apossando de terras públicas para fazer a festa de madeireiras piratas, das multinacionais da carne exportada, da celulose e dos que querem manter o Brasil eternamente exportador de commodities baratas, perdendo, assim, a oportunidade histórica de se transformar na maior potência verde do planeta e do futuro que já começou.

Entramos já numa época de fenômenos climáticos extremos, onde secas se alternarão cada vez mais com enchentes e outros eventos dramáticos. Daí que preservar as conquistas do Código Florestal seja não apenas do interesse do mundo rural. Sem matas ciliares preservadas e encostas e topos de morros protegidos, o rosário de destruição de cidades e vilarejos continuará se expandindo, ainda que medidas corajosas para o melhor uso e ocupação do solo urbano venham a ser adotadas.

O Código Florestal não é um livro sagrado como a Bíblia ou o Alcorão. Pode e deve ser melhorado. Mas nunca mutilado com as pegadinhas que o deputado Aldo Rebelo em má hora se dispôs a colocar em seu substitutivo para servir a visões geopolíticas e agrícolas ultrapassadas. A rigor o debate do Código mereceria muito mais tempo e mais seriedade em sua condução. Os que pressionam, no Congresso Nacional, pela rápida votação em plenário do monstrengo que produziram em nome de uma falsa demanda do setor produtivo agrícola, sabem que o tempo trabalha em desfavor de sua campanha raivosa contra os avanços e conquistas da legislação ambiental brasileira. Daí a urgência e importância, para a opinião pública, que as coisas sejam melhor esclarecidas para evitar um retrocesso que irá afetar os interesses mais estratégicos do Brasil.

* Anivaldo Miranda é jornalista, membro do Fórum de Defesa Ambiental e membro do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco.

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