As ideologias estão fora do lugar: confusão em torno das ações afirmativas

05/09/2011 12:36 - Adrualdo Catão
Por Adrualdo Catão

Amigos,

Aí vai um belo texto. Dialogo com Rodrigo no blogue e no twitter e me lembro de uma discordância dele sobre minha avaliação sobre a diferença entre esquerda e direita. A questão é: o comunitarismo é de esquerda? Certamente que não a esquerda tradicionalmente ligada ao socialismo universalista. Essa foi a reclamação de Rodrigo à época. E, nesse ponto, ele tem razão.

Sendo assim, tratar a discordância sobre políticas de ação afirmativa como sendo uma diferença entre esquerda e direita parece empobrecer o debate. Com isso, concordo. Basta ver que são muitos os socialistas que discordam abertamente da política de cotas raciais.
Se há coerência em alguém que se diz de direita liberal e defenda cotas raciais... bom aí a conversa complica. Mas, vamos ao texto!

AS IDEOLOGIAS ESTÃO FORA DO LUGAR – Confusão em torno das ações afirmativas

Tem-se dito muita coisa sobre ações afirmativas no Brasil. Desde que esse debate ganhou força, com discussões em torno das cotas raciais em universidades e concursos públicos, os advogados do multiculturalismo merecem destaque especial pela incomum criatividade – desacertos florescem nessas mentes qual pasto em estação chuvosa. O desacerto da moda é apresentar esse problema como um debate político entre esquerda e direita; defender cotas seria coisa da esquerda, atacar as cotas seria papel da direita.

Essa confusão se dá quando os multiculturalistas (defensores das cotas) reduzem todos os martírios humanos num mesmo balaio de injustiças sociais. Ao passo que negros, indígenas, pobres e mais um cardume de invisíveis da História são reunidos sob um mesmo signo de injustiçados, propõem os multiculturalistas uma mesma solução para questões que são de naturezas absolutamente distintas. Reconhecimento é diferente de redistribuição. Não percebem os multiculturalistas que certas injustiças são fundamentadas na economia exigindo, assim, redistribuição, enquanto outras se fundamentam na cultura, exigindo por outro lado, reconhecimento das diferenças.

O que caracteriza a abordagem político-ideológica desse tema como sendo de direita ou de esquerda, não é o posicionamento em torno de ações afirmativas (reconhecimento), mas sim o papel da política na economia (redistribuição). Um governo pode ter uma agenda econômica socializante (de esquerda) sem adotar nenhum tipo de cota racial. Outro governo pode ter um perfil democrático de direita (economicamente liberal) aliado a ações afirmativas em universidades, por exemplo. O debate em torno das cotas não é o debate entre direita e esquerda, mas sim o debate entre propostas universalistas e particularistas sobre o sentido do reconhecimento. O fato de Lula e Dilma serem a favor das cotas raciais ao passo que o PSDB e o DEM se posicionam de modo contrário, situa o problema como uma tensão entre governo e oposição, não necessariamente, como tem se vendido, como uma luta entre esquerda e direita.

As culturas devem sobreviver pela capacidade que têm de convencer os indivíduos sobre sua legitimidade; não no tapetão. As que não conseguirem fazer isso que sumam. Reconhecer a diferença é, sobretudo, garantir o princípio do igual tratamento a todas as identidades culturais que compõem o Estado. Assegurado esse compromisso procedimental, sem perseguições nem favorecimentos, é papel do indivíduo permitir o desenvolvimento daquilo que venha a compreender que seja um ideal de boa vida; isso inclui sua religiosidade, sua sexualidade, sua identidade étnica, etc.

Ainda nos resta o espectro das injustiças. Como repará-las? O primeiro passo é posicionar as ideologias no lugar certo. Não há nenhuma contradição quando direita e esquerda concordam que o igual tratamento jurídico das culturas (e não cotas raciais) é o melhor remédio para garantir seu reconhecimento. Quanto à redistribuição, ou seja, o papel que o Estado deve ocupar perante a economia e o mercado... Ah, é aqui que o bicho pega e direita e esquerda, destra e sinistra, finalmente mostram quem são.

Rodrigo Gomes Leite; Mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco; Gerente de Relações Institucionais de Fundação Assistencial no Estado de Santa Catarina; Foi durante sete anos (até 2010) professor universitário em Arapiraca. E-mail: rodrigoleite81@ig.com.br. Twitter: @_RodrigoLeite_

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